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domingo, 25 de setembro de 2011

Educação, Caveiras e Direitos Humanos


Aldo Rezende de Melo - Psicólogo – CRP - 0301164
Aracaju, 23 de setembro de 2011

Enquanto cidadão e psicólogo, procedo ao seguinte parecer a cerca da proibição ao uso de camisetas com campanha ilustrada com caveira pelos professores do município de Maruim nas salas de aula.

Considerando os seres humanos, animais que têm dimensões basicamente biológicas, psicológicas, sociais e espirituais, faz-se necessário iniciar essa discussão com a premissa de que toda e qualquer imagem é polissêmica, não tem significado em si até que lhe seja atribuída sentido, podendo ser individual ou coletivo. Portanto, para fins de análise social, cabe aqui elencar algumas representações coletivas do conceito de caveira.

Historicamente, em especial nas ilustrações artísticas, a caveira foi associada à prática de assalto a navios e à idéia de morte. Na modernidade, as associações mais relevantes relacionadas à caveira são: anatomia científica da estrutura óssea humana e perigo. Na contemporaneidade, a esse símbolo foi associada a idéia de protesto pelos grupos de rock n´roll das décadas de setenta, oitenta e noventa. Merece ainda destaque o uso pelo Estado da caveira em emblemas de grupos táticos policiais ligados à segurança pública.

Como no contexto do protesto dos professores, o “significante” caveira é referente ao “significado” luta, os alunos na sala de aula deverão a associar a esse significado. Isso não traz nenhum prejuízo traumático as suas subjetividades em formação. A caveira, nesse contexto, traz o sentido transversal de defesa da cidadania e melhoria das condições de trabalho e da educação pública, algo fundamental no cotidiano das salas de aula.

Finalmente, já que se trata o caso de uma campanha publicitária, para que não haja deturpação do sentido que os professores querem transmitir, sugiro tecnicamente que os educadores contextualizem o sentido da campanha em cada sala de aula onde for exercer o seu ofício, significando ou ressignificando a referida imagem.

Aproveito enquanto profissional e cidadão, no calor desse debate, para sugerir que o Ministério Público e demais instâncias do judiciário, intervenham justamente no uso da imagem da caveira como símbolo da força coercitiva de Estado. A caveira, semioticamente, vem sendo associada a legitimação, por parte da segurança pública, de práticas criminosas por de funcionários públicos cumprindo o seu dever. Praticam tática e sistematicamente a violação dos direitos humanos através de assassinatos, torturas, invasões domiciliares, de inocentes e/ou seres humanos passíveis de defesa e cumprimento de pena.

Esses fatos, exaustivamente pautados na mídia e na cinematografia nacional e internacional, tem sensivelmente produzido efeitos nefastos no tecido social. Quando seres humanos de qualquer faixa etária assistem passivamente a um filme ou notícia sem a devida análise, sem processos educativos e dialógicos associados, podemos ter como resultado a formação de subjetividades perversas e fascistas, promovidas pelo mesmo estado de direito que impede educadores de exercerem sua liberdade de expressão garantidas pela constituição. O exercício da cidadania só se realiza para além das imagens e representações, quando se concretiza o protagonismo social. O fortalecimento da consciência humana só se realiza em condições de esforço, de luta solidária pela vida. Como disse o educador brasileiro Augusto Boal, indicado ao prêmio Nobel da Paz, para ser cidadão não basta viver em sociedade, é preciso transformá-la.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Análise do texto: ALCANÇANDO O SUCESSO? Reflexões críticas sobre a agenda para a educação da “Terceira Via” do New Labour.


O texto dialoga sobre a política educacional na Inglaterra pensada a partir da uma concepção ideológica chamada de Terceira Via do New Labour que tenta unir a direita para o social com a esquerda para o capital. Essa nova ideologia aparece através das políticas públicas de forma descontextualizada e compartimentadas sem procurar explorar como elas combinam-se no contexto social real. Assim, a concretude dessa ação acontece na combinação do envolvimento do setor privado nas ações que deveriam ser de responsabilidade do setor público. Essa política foi implementada no setor educacional inglês com sérias conseqüências para o sistema educacional, as escolas, os professores e os alunos.

Implementada no Governo de Tony Blair, a política do New Labour procurou combinar uma política de gestão empresarial nas escolas inglesas. Essa política caracterizou-se por:
• Os recursos são redistribuídos para as escolas com base na per capita e não de acordo com a necessidade das escolas. Esse procedimento é muito adotado no Brasil através da política de transferência de recursos diretos para as escolas (PDE, PDDE, PROFIN);
• Início do processo de privatização das escolas através do aumento das oportunidades de negócios na gestão das escolas. No Brasil esse processo cresce através do crescimento das empresas de consultorias que substitui o papel das Secretarias de Educação, através de seus técnicos;
• Houve uma intensificação das práticas de gestão empresarial nas escolas com monitoramento do desempenho das escolas e competição entre elas para redistribuição dos recursos. Essa é uma política defendida pelo ministério da educação do Brasil e que está crescendo em todo país, inclusive com a tentativa do Governo de Sergipe implantar através da metodologia chamada de índice Guia.
• Política educacional que defende a economização do currículo escolar, priorizando as aprendizagens ligadas ao trabalho. No Brasil essa modelo cresce através da política de educação à distância, empreendedorismo nas escolas que secundariza o conhecimento para exercício da cidadania.
• Introdução de um currículo da subserviência, chamado de “linguagem do currículo mais humanista”. Nessa reestruturação curricular enfatizam o bem-estar espiritual, moral e mental. No Brasil fica cada dia mais forte o discurso das escolas cuidarem desses temas de forma descontextualizadas em vezes do conhecimento sistematizado que, necessariamente, abordam, também, esses temas diante das demandas que surgem na sala de aula;
• Estabelece colaboração entre escolas. Em Sergipe os Centros Experimentais (consideradas escolas Charter), em tese, tem esse papel de mostrar para as outras que pode dá certo, basta acabar os direitos dos professores e fazê-los trabalhar além da carga horária;
• Introduziu a representação dos pais nas comissões escolares com responsabilidade da gestão da escola. Entretanto, quando as empresas têm interesses nas escolas, tendem a resistir as formas democráticas de tomada de decisões, agindo como se estes constrangessem a sua liberdade empresarial. No Brasil essa política de fortalecimento dos conselhos escolares tem crescido, entretanto sem concretização da gestão democrática. Os conselhos servem apenas para referendar as políticas estabelecidas pela Secretaria de Educação com orientações das empresas de consultorias;
• Financiamento adicional para os Centros de Excelências. Em Sergipe, os Centros experimentais (antigos centros de excelências) têm recursos além daqueles recebidos pelas outras escolas como forma de criar “ilhas” dentro do sistema educacional;
• Foi instituído a política dos exames nacionais de matemática, TCI - Tecnologia da Comunicação e da Informação e ciências para definição de um suposto índice de qualidade das escolas. Política parecida com o modelo estabelecido pelo MEC – Ministério da Educação de exames nacionais: ENEM, Prova Brasil, Provinha Brasil como elementos para definição de suposto índice de qualidade das escolas - IDEB e, agora, a certificação dos professores através de um exame nacional;
• Criação das escolas especializadas seletivas com introdução de novas especialidades em gestão de empresas, engenharia e ciências, assim como um novo estatuto para essas escolas e um currículo alinhado ao mercado com ênfase em competências e atitudes empresariais com ramos vocacionais para os jovens. Em Sergipe, os Centros Experimentais têm uma legislação própria onde os professores são obrigados a uma jornada de trabalho elevada e obrigados a trabalharem empreendedorismo como parte do currículo escolar, numa preparação dos alunos para subserviência ao trabalho e a exploração;
• Foi estabelecido um maior envolvimento do setor privado na gestão das escolas. Os centros experimentais em Sergipe são geridos por um conselho gestor compostos por integrantes das empresas que financiam as escolas chamadas de “excelência”;
• Maior liberdade para as escolas estabelecerem os salários dos professores. Os centros experimentais os professores, direção e funcionários têm uma gratificação de 100% do vencimento, a mais que os demais professores, apenas pelo fato de estarem ensinando nessas escolas;

Essa política do New Labour visa transformar as escolas em extensão da gestão empresarial e atribui escalas de desempenho dos professores, da direção e das escolas. Para tanto, implementam ampliação da carga horária docente e repasse de vultosos recursos para as consultorias privadas para que avaliem os professores. O dinheiro que poderiam ser investidos na melhoria das condições das escolas e nos salários dos professores, são gastos em consultorias milionárias.

Outra grave questão é o aumento da carga horária dos professores em decorrência das exigências burocráticas, ou seja, preenchimento de formulários e não para pensar a prática pedagógica, formação continuada ou em projetos pedagógicos com seus alunos. A política New Labour está gerando uma deterioração nas relações sociais da educação. Isso se dá em função da tecnicização e rotinização do trabalho dos professores com sérias implicações na saúde emocional. Os professores reclamam das sobrecargas de reuniões para cumprir exigências do mercado e do governo com um declínio da sociabilidade da vida na escola secundarizando o debate curricular e menos tempo para o convívio informal e entre o pessoal. Assim, os educadores têm que se preocupar com aspectos administrativos e técnicos, ficando sua participação nas tomadas de decisões, bem como sua autonomia pedagógica seriamente limitada.

Ainda, nessa política educacional inglesa, há um processo de competição entre as escolas através dos resultados dos exames. Além do sistema de premiação através do desempenho individual dos professores, desconsiderando a importância do trabalho interdisciplinar. A briga pelo melhor resultado nos exames estão transformando as escolas inglesas em ensino para preparar os alunos para fazerem exames, sem qualquer preocupação com a qualidade do ensino e/ou estímulo a criatividade dos alunos.

A ditas “escolas de excelências” são pensadas com mais aporte de recursos e infra-estrutura para atender uma pequena parcela da população, de modo que mascare a realidade. Assim cria o discurso de que o ensino deficiência é apenas culpa dos professores e das direções escolares que “não estão trabalhando”. Já as escolas onde estudam crianças da classe trabalhadora as condições estruturais são precárias, pois e necessário que haja o discurso das consultorias que é necessário fazer mais na linha da completa privatização do sistema.

O processo de patrocínio privado das escolas gera sérios riscos para a comercialização do currículo. Isso significa que são as empresas que produzem as famosas cartilhas/apostilhas para serem vendidas aos sistemas de ensino. Assim, o patrocínio das empresas visa, também, a construção da “consciência de marcas”. Nessa linha, o setor público ainda continua a financiar as escolas, mas é a iniciativa privada quem vai geri-las administrativamente, bem como os materiais pedagógicos (cartilhas/apostilhas).

Entretanto, tem havido resistência dos sindicatos a mais privatizações. Essa resistência tem gerado resistência, também, dos professores. Essa resistência tem sido de três maneiras:
1. O abandono da profissão com elevados números de pedido de exoneração, gerando uma série crise de falta de professores para preenchimento das vagas;
2. Os professores cumprem as exigências da política do New Labour , mesmo sabendo que não são para melhoria da aprendizagem dos estudantes, mas apenas para que as escolas tenham recursos para garantir qualidade razoável, mesmo sabendo que as escolas especializadas com patrocínio das empresas e estatutos próprios geram desigualdade de financiamento e condições de acesso diferenciadas;
3. Apesar da pressão para estreitamento curricular, há os professores que continuam trabalhando currículos escolares e políticas baseadas numa ampla, humanista e progressista visão de educação. Esse processo visa envolver os estudantes no processo de tomada de decisão nas escolas e curricular que priorize o ensino crítico.

O texto pode ser lido, na integra no link abaixo. Estudá-lo é importante para que possamos entender a política educacional brasileira, pensada numa concepção ideológica chamada de “Terceira Via”. Somente assim poderemos entender o porquê o Governo Déda está tentando impor em Sergipe uma política de privatização do ensino público Sergipe através da avaliação de desempenho fundamentada no Índice Guia.

http://www.curriculosemfronteiras.org/vol2iss1articles/gewirtzconf.pdf

Resistir é preciso! e nossa vida é lutar contra essas políticas que tentam tratar os professores como culpados pelos problemas existentes no ensino pública, com claras intenções de, no futuro, privatizar o ensino público brasileiro e sergipano.

domingo, 18 de setembro de 2011

Debate aberto carta às esquerdas


Boaventura de Sousa Santos

Livre das esquerdas, o capitalismo voltou a mostrar a sua vocação anti-social. Voltou a ser urgente reconstruir as esquerdas para evitar a barbárie. Como recomeçar? Pela aceitação de algumas ideias. A defesa da democracia de alta intensidade é a grande bandeira das esquerdas.

Não ponho em causa que haja um futuro para as esquerdas mas o seu futuro não vai ser uma continuação linear do seu passado. Definir o que têm em comum equivale a responder à pergunta: o que é a esquerda? A esquerda é um conjunto de posições políticas que partilham o ideal de que os humanos têm todos o mesmo valor, e são o valor mais alto. Esse ideal é posto em causa sempre que há relações sociais de poder desigual, isto é, de dominação. Neste caso, alguns indivíduos ou grupos satisfazem algumas das suas necessidades, transformando outros indivíduos ou grupos em meios para os seus fins. O capitalismo não é a única fonte de dominação mas é uma fonte importante.

Os diferentes entendimentos deste ideal levaram a diferentes clivagens. As principais resultaram de respostas opostas às seguintes perguntas. Poderá o capitalismo ser reformado de modo a melhorar a sorte dos dominados, ou tal só é possível para além do capitalismo? A luta social deve ser conduzida por uma classe (a classe operária) ou por diferentes classes ou grupos sociais? Deve ser conduzida dentro das instituições democráticas ou fora delas? O Estado é, ele próprio, uma relação de dominação, ou pode ser mobilizado para combater as relações de dominação?

As respostas opostas as estas perguntas estiveram na origem de violentas clivagens. Em nome da esquerda cometeram-se atrocidades contra a esquerda; mas, no seu conjunto, as esquerdas dominaram o século XX (apesar do nazismo, do fascismo e do colonialismo) e o mundo tornou-se mais livre e mais igual graças a elas. Este curto século de todas as esquerdas terminou com a queda do Muro de Berlim. Os últimos trinta anos foram, por um lado, uma gestão de ruínas e de inércias e, por outro, a emergência de novas lutas contra a dominação, com outros atores e linguagens que as esquerdas não puderam entender.

Entretanto, livre das esquerdas, o capitalismo voltou a mostrar a sua vocação anti- social. Voltou a ser urgente reconstruir as esquerdas para evitar a barbárie. Como recomeçar? Pela aceitação das seguintes ideias.

Primeiro, o mundo diversificou-se e a diversidade instalou-se no interior de cada país. A compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão ocidental do mundo; não há internacionalismo sem interculturalismo.

Segundo, o capitalismo concebe a democracia como um instrumento de acumulação; se for preciso, ele a reduz à irrelevância e, se encontrar outro instrumento mais eficiente, dispensa-a (o caso da China). A defesa da democracia de alta intensidade é a grande bandeira das esquerdas.

Terceiro, o capitalismo é amoral e não entende o conceito de dignidade humana; a defesa desta é uma luta contra o capitalismo e nunca com o capitalismo (no capitalismo, mesmo as esmolas só existem como relações públicas).

Quarto, a experiência do mundo mostra que há imensas realidades não capitalistas, guiadas pela reciprocidade e pelo cooperativismo, à espera de serem valorizadas como o futuro dentro do presente.

Quinto, o século passado revelou que a relação dos humanos com a natureza é uma relação de dominação contra a qual há que lutar; o crescimento econômico não é infinito.

Sexto, a propriedade privada só é um bem social se for uma entre várias formas de propriedade e se todas forem protegidas; há bens comuns da humanidade (como a água e o ar).

Sétimo, o curto século das esquerdas foi suficiente para criar um espírito igualitário entre os humanos que sobressai em todos os inquéritos; este é um patrimônio das esquerdas que estas têm vindo a dilapidar.

Oitavo, o capitalismo precisa de outras formas de dominação para florescer, do racismo ao sexismo e à guerra e todas devem ser combatidas.

Nono, o Estado é um animal estranho, meio anjo meio monstro, mas, sem ele, muitos outros monstros andariam à solta, insaciáveis à cata de anjos indefesos. Melhor Estado, sempre; menos Estado, nunca.

Com estas ideias, vão continuar a ser várias as esquerdas, mas já não é provável que se matem umas às outras e é possível que se unam para travar a barbárie que se aproxima.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Corrupção: uma marcha vazia e sem educação


José Cristian Góes

Combater a corrupção é importante, não resta nenhuma dúvida, mas é uma ação superficial e vazia em si. Serve mais ao discurso político moralizante do que à solução prática do problema.

Na última semana, uma pequena parte da desavergonhada elite brasileira saiu às ruas. Aproveitou-se do clima das históricas contestações do Grito dos Excluídos, em 7 de setembro, para liderar uma marcha contra corrupção. Quanta hipocrisia! Organizada por vários empresários das mais suspeitas atividades, a tal marcha atraiu, a partir de um discurso moralista superficial, muita gente e entidades até bem intencionadas, mas que não parecem enxergar um palmo à frente do próprio nariz.

Ainda no mesmo dia, boa parte da grande mídia comercial festejou os atos dos colarinhos brancos contra corrupção. Pense numa hipocrisia?! Ela também, a mídia, em muitos lugares, ocultou o Grito dos Excluídos porque uma das pautas dos movimentos populares é a democratização da comunicação. Aí a mídia reage a este tema como o diabo diante de uma cruz. No dia seguinte, senadores e deputados do PSDB, PMDB e do DEM fizeram discursos no Congresso elogiando a marcha contra corrupção. Alguns deles até participaram do evento. Vejam quanta hipocrisia junta!

Não há dúvida de que a corrupção é um mal gigantesco e que precisa ser combatido. Mas devagar com o andor, porque santo nessa história.... Primeiro, a corrupção não é exclusividade do poder público, do Estado. Ou não há corrupção generalizada na iniciativa privada? O que fazem os empresários que sonegam impostos, que subornam servidores do público, que financiam campanhas eleitorais com intenções nada saudáveis, que poluem, desmatam, etc, etc e etc? E o que dizer de nossas ações corruptas pessoais, àquelas do cotidiano, que de tão comuns se tornaram naturais? Tem mais grave corrupção do que a venda do voto e da consciência, por exemplo? Sejamos, minimamente, honestos!

Combater a corrupção é importante, não resta nenhuma dúvida, mas é uma ação superficial e vazia em si. Serve mais ao discurso político moralizante do que à solução prática do problema. Tentar coibir a corrupção é atacar apenas os efeitos e não suas causas. Corrupção é fruto e não semente. Claro que a ingestão desse fruto é uma tragédia, mas não é acabando com ele que se resolve, mas indo até a semente.

A marcha contra corrupção não quer saber da essência que provoca esse mal. Quer tão somente o discurso fácil, despolitizado e espetacularizado pela mídia. Não desce à raiz. E não chega à raiz do problema porque se isso acontecer à população compreenderá, com consciência, como funciona a sociedade de classes que temos e rejeitará esse modelo desumano imposto por elite econômica e, justamente, corrupta.

Reflitamos mais um pouco. Este é o convite. Por que não há uma grande mobilização nacional, com marchas, campanhas em toda mídia, com envolvimento das denominações religiosas e das entidades nacionais para que este rico país tenha reforma agrária e urbana? Marcha para que os mais ricos paguem mais impostos sobre seus rendimentos e patrimônio? Caminhada para que se tenha uma saúde pública onde não se permita tantas mortes por falta de atendimento básico? Mobilização para que se tenha uma política séria de infância e adolescência que promova a vida e garanta a esperança de algum futuro? Uma grande marcha por uma educação pública de qualidade? E é aqui está o nó.

Educação, ou melhor, a sua falta é a raiz da corrupção. É através da educação - não àquele que o empresariado quer - que o ser se reconhece como humano, que são estabelecidos valores como honestidade, justiça, solidariedade, bem comum. É pela educação - e não apenas com o desenhar o nome - que o cidadão toma consciência do quanto é explorado, o quanto é mercadoria, o quanto é vítima e participante dos processos de corrupção. É por uma educação libertária e emancipatória que se debela a corrupção. Mas as marchas, comandadas pelas elites, pelos inocentes úteis e com acompanhamento da grande mídia jamais vão defender esse tipo de educação, porque acaba por empoderar os mais pobres e os ajuda a romper com este modelo de sociedade que temos que, vejam só, produz exatamente a corrupção. Marchar para aonde?

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Por que 7% do PIB para a Educação é pouco?


Com plenário da assembléia legislativa lotado, na tarde dessa sexta 09 de setembro de 2011, o advogado Salomão Ximenes fez exposição sobre a nota técnica formulada pela Campanha Nacional pelo Direito a Educação. A nota mostra a necessidade do país investir, no minimo, 10% da riqueza nacional em educação. Também foi discutido a necessidade do Estado Brasileiro mudar as regras do FUNDEB para garantir o custo aluno-qualidade. Esse novo custo aluno é pensado considerando as condições que a educação pública brasileira precisa para que as escolas públicas possam ter condições de funcionamento pleno com valorização dos profissionais da educação.

Na audiência pública, Salomão Ximenes discutiu a necessidade do Plano Nacional de Educação- PNE respeitar as deliberações aprovadas pela sociedade brasileira na Conferência Nacional de Educação - CONAE. Assim a nota técnica vai considerar uma série de elementos aprovados na CONAE que não estão sendo contemplados no projeto de lei enviado pelo MEC ao congresso nacional que cria o novo PNE. Assim foi considerado na nota técnica, as questões referente a educação inclusiva, educação quilombola, indígena, ampliação dos espaços físicos etc que não estão sendo contemplados no projeto de lei enviado pelo MEC ao congresso nacional.

A nota técnica da Campanha Nacional pelo direito a Educação visa confrontar a nota técnica do MEC que defende apenas 7% até 2020. O Estado brasileiro não está atendendo a educação com recursos suficientes para garantir o pleno funcionamento do ensino. Portanto,chegar a 10% do PIB é o mínimo para garantir o pleno funcionamento das escolas públicas brasileiras com qualidade social em todo país.

Podemos assegurar que a sociedade brasileira está fazendo sua parte apontando caminhos para que, no futuro, possamos ter uma educação pública de fato e de qualidade social. Assim aquela realidade de escolas sucateadas, professores mal remunerados, ausência de formação continuada, professores proletarizados, transporte sucateados, falta de alimentação escolar, falta de material didático etc seja coisa do passado.

Está nas mãos dos governantes: presidente, senadores, deputados federais, Governadores, deputados Estaduais, Prefeitos e Vereadores a reponsabilidade por garantir agora as condições para finaciamento pleno da educação pública brasileira e mudarmos essa realidade reprovável da educação pública brasileira.

domingo, 4 de setembro de 2011

Crianças pobres já têm maioridade penal



cristian Gois

Na última semana, a rede Globo, em seus principais veículos de imprensa, fez sua parte no coro nacional de uma elite horrorizada com crianças e adolescentes pobres, em pequenos delitos na capital paulista. Uma equipe de tv colou em um grupo de crianças/meninas que agia na madrugada. Presas e jogadas de um canto para outro, elas reagiam, inclusive contra as gravações. O único objeto furtado de toda noite foi um celular de uma camareira de um hotel. Mas as cenas, repetidas várias e várias vezes em todos os telejornais nacionais, revelavam perigo, violência, horror e descontrole.

Era mais uma reportagem despretensiosa sobre a violência? Óbvio que não! No conteúdo da mensagem estava à defesa pura e cristalina da emissora, voz e porta-voz de uma classe dominante, da campanha pela redução da maioridade penal no país. Quanto mais se aprofundam os efeitos de um sistema capitalista devastador do homem e da natureza, mais avançam ideias e ações conservadoras na sociedade para proteger seu patrimônio contra as ameaças das classes perigosas. E aí vale tudo: prisão de flanelinhas, aplausos às execuções de suspeitos em troca de tiros com a polícia, castração química de suspeitos, criminalização dos trabalhadores que reclamam melhores condições de trabalho e salário, redução da maioridade penal, etc, etc.

No caso de crianças e adolescentes pobres, essa maioridade penal pretendida já existe na prática e faz tempo. Os que foram flagrados nas lentes da tv, geralmente são filhos de pais que estão ou já estiveram nas ruas. Aquelas crianças nasceram em condições desumanas, submetidas ao abandono e ao desprezo social. Nasceram e crescem em ambientes de ausência (família, escola, saúde, trabalho, habitação, lazer, etc), de violência, drogas e de sobrevivência selvagem. Crianças pobres e marginalizadas, condenadas a um clico embrutecido de vida. Condená-las ainda ao quê? Quais as penas ainda a serem impostas a elas? Encarcerá-las cada vez mais cedo é a solução? Claro que não!

Na outra ponta, a mesma sociedade hipócrita que cobra a redução da maioridade penal continua a produzir adolescentes ricos e perversos, que sem limites, não aceitam às diferenças e desenvolvem uma cultura de ódio de classe, de homofobia, de racismo. Queimam índios, matam mendigos, xingam negros, espancam quem os contrarie, usam seus possantes carros para as maiores barbaridades, tudo dentro da maior naturalidade. Abrigados por uma parentela influente nos poderes do Estado, gozam de impunidade e, para eles, a maioridade nunca os atingirá. Mais tarde, alguns chegaram a postos de comando na sociedade e devem continuar a produzir uma sociedade assim.

Voltando às vítima da redução da maioridade, na semana passada, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos divulgou estudo da Unicef informando que as crianças e adolescentes eram responsáveis somente por 10% dos homicídios praticados, mas ao mesmo tempo elas são vítimas de mais de 40% dos casos de homicídio. Segundo a Unicef também divulgou, a redução da maioridade penal não resultou em diminuição da violência entre crianças e adolescentes em 54 países pesquisados no ano de 2007 que, a exemplo dos Estados Unidos, adotaram a medida. Crianças saem muito piores do que entraram no sistema prisional. Resta provado por estatísticas, pelos fatos e pela história que a violência, inclusive a estatal, só produz mais violência.

Com a sociedade que se tem, não há necessidade de se encarcerar crianças e adolescentes pobres. Uma vida sem família, sem comida, sem casa, sem educação, sem saúde, sem lazer, sem perspectiva de dignidade vai produzir o quê? Como enfrentar essas ausências? Com prisões?

* É jornalista em Aracaju/SE