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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Mudanças previdenciárias previstas nas MPs 664 e 665 são ilegais

No final do ano de 2014, os trabalhadores brasileiros foram surpreendidos pelo anúncio de uma série de mudanças nos direitos previdenciários dos trabalhadores. Essas mudanças foram concretizadas nas Medidas Provisórias nº 664 e 665 que atingiram a pensão por morte, o auxílio reclusão, o auxílio doença, a aposentadoria por invalidez, o abono salarial, o seguro desemprego e o seguro defeso.

Esses direitos foram alterados sem qualquer discussão com o movimento sindical brasileiro, fazendo o Governo Dilma entrar em profunda contradição, pois durante a campanha eleitoral deixava claro que não mexeria nos direitos dos trabalhadores. O anúncio de tais mudanças gerou indignação entre os trabalhadores que viram de hora pra outra seus direitos serem surrupiados.

Entretanto, essas mudanças nos direitos previdenciários previstos nas Medidas Provisórias nº 664 e 665 são consideradas ilegais, pois desrespeitam os artigos 62 e 246 da constituição federal, a saber:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

A pergunta a fazer é: qual a relevância e urgência para se fazer tais mudanças por meio de Medidas Provisórias? A atitude do Governo Federal afronta a constituição federal, pois os argumentos utilizados pelo Governo para adotar tais medidas provisórias era coibir desvios e fraudes que não se justifica qualquer urgência.

Já o art. 246 da carta magna deixa claro que não pode ser alterado artigos da constituição entre os anos de 1995 e 2001 por meio de Medidas Provisórias e o Governo fez, passando, novamente por cima da constituição, vejamos:

Art. 246. É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

Portanto, os trabalhadores brasileiros precisam se mobilizar para impedir a votação dessas MPs no congresso pelos deputados federais e senadores, pois na sua origem essas Medidas Provisórias são ilegais. Vejamos quais mudanças aconteceram com a edição das supracitadas Medidas Provisórias:

1- Pensão por Morte: Pode ser permanente quando o cônjuge do trabalhador falecido tenha acima de 44 anos. Caso tenha idade abaixo de 44 anos o benefício é temporário na seguinte proporção: Idade de 39 a 43 anos terá 15 anos de benefício; Idade de 33 a 38 anos terá 12 anos de benefício; Idade de 28 a 32 anos terá 09 anos de benefício; Idade de 22 a 27 anos terá 06 anos de benefício; e Idade de 21 anos ou menos terá apenas 03 anos de benefício.

Para receber o benefício o cônjuge do trabalhador(a) falecido(a) deverá ter união estável comprovada de, no mínimo 24 meses e receberá apenas 50% do valor do salário do segurado falecido(a), acrescido de 10% para cada filho, podendo chegar a 100%. Quando acaba a pensão para os filhos o valor não é repassado para a família. Antes não havia carência e o benefício era integral e vitalício.
Essa nova regra é aplicada tanto para os trabalhadores da iniciativa privada quanto para os servidores e trabalhadores públicos.

2- Auxílio reclusão: Aplica-se as mesmas regras aplicada para pensão por morte, onde o cônjuge terá direito apenas ao de 50% do salário do trabalhador preso acrescido de 10% de cada filho até, no máximo de 05. Para receber esse benefício, o trabalhador terá que está trabalhando com carteira assinada por 24 meses e ter, no mínimo 02 meses de casamento, caso não atinja esses critérios os seus dependentes não terão direito ao benefício. Antes não havia carência e o benefício era integral.

O auxílio reclusão pode ser permanente até cessar a prisão se o cônjuge tiver idade acima de 44 anos e temporária caso o cônjuge tenha idade abaixo de 44 anos, nas mesmas regras da pensão por morte. Essa nova regra é aplicada tanto para os trabalhadores da iniciativa privada quanto para os servidores e trabalhadores públicos.

3- Auxílio doença: Os primeiros 30 dias o benefício será pago pelas empresas que, também, terão a prerrogativa de realizar a perícia médica. Antes era apenas 15 dias de salário pago pelas empresas e a partir desse momento o benefício era pago pelo INSS. Entretanto, com as novas regras, somente após 30 dias é que o INSS arcará o benefício do trabalhador afastado. Essa situação causará grande dificuldade de notificação das doenças ocupacionais, uma vez que as empresas terão sua própria junta médica para fazer as análises e não os peritos do INSS. Verifica-se, nessa nova regra, um processo de privatização da perícia médica do INSS.

4- Aposentadoria por invalidez: Passa a valer a partir do 31º dia a partir da concessão do benefício. Os 30 primeiros dias, o benefício será pago pela empresa. Entretanto, a existência da perícia médica nas empresas o trabalhador poderá ter sérias dificuldades para comprovar a incapacidade ao trabalho. Antes o benefício era pago pelo INSS imediatamente a partir da concessão do benefício.

5- Abono salarial: Para ter direito ao benefício, o trabalhador precisa ter trabalhado, no mínimo, 06 meses ininterruptos no ano base, sendo pago proporcionalmente ao tempo trabalhado, como é pago o 13º salário. Antes o trabalhador precisava trabalhar apenas 01 mês no ano base para ter direito ao benefício integral.

6- Seguro desemprego: Para ter direito ao benefício o trabalhador precisa ter trabalhado com carteira assinada pelo menos 18 meses. Antes precisava está trabalhando apenas 06 meses. Essa mudança afeta milhões de trabalhadores, especialmente terceirizados e jovens que sofrem com a elevada rotatividade em função das demissões sem justa causa antes de completar um ano de trabalho, realidade muito comum em atividades como: construção civil, comércio e serviços. O Governo Federal em vez de regulamentar a convenção 158 da OIT que proíbe a demissão imotivada, deixa os trabalhadores em situação de extrema dificuldade, pois uma vez demitidos não terão direito ao seguro desemprego. Mesmo contribuindo para a previdência por até 17 meses.

7- Seguro defeso: Proíbe o acúmulo de benefício, situação que prejudica os pescadores pois os períodos de defeso do camarão, da tainha, do caranguejo etc é diferente. Para ter direito ao benefício o pescador precisa ter, no mínimo, 03 anos de registro de trabalho e ter contribuído para o INSS em pelo menos 12 meses, bem como comprovar comercialização do pescado. Essas exigências não existiam anteriormente. Outra limitação é que a família do pescador beneficiado não têm direito, também ao benefício, mesmo sendo comprovadamente pescador.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Perigosa guinada à direita nas políticas sociais

Enquanto os analistas políticos tentam entender os critérios utilizados pela presidente Dilma Rousseff na composição de seu novo ministério, que até o ponderado André Singer classificou como kafkianos, novas medidas de contenção fiscal foram anunciadas já em dezembro de 2014, antes mesmo da posse do segundo mandato. Essas medidas apontam perigosamente à direita, expressando o desejo de sinalizar ao “mercado” (leia-se, aos detentores do capital) que o governo, em nome da imperiosa necessidade de “ajustes fiscais”, não se deterá nem mesmo diante de conquistas históricas das classes e camadas sociais que, em tese, ele diz ou pensa representar.

A guinada à direita do novo governo se dá, portanto, no próprio terreno das “políticas sociais”, intocáveis segundo o discurso presidencial, e afeta fundamentalmente benefícios dos trabalhadores: seguro-desemprego, seguro-defeso, pensão por morte e outros, cuja concessão se tornará muito mais difícil daqui para a frente. A retórica do governo para justificar as novas medidas tem dupla face: por um lado alega que tais benefícios estão sendo mantidos, como se se tratasse de um grande favor; por outro lado recorre à surrada alegação de que é preciso combater distorções e fraudes que estariam provocando grandes danos ao Tesouro.

O ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, atribuiu as novas medidas à “segurança fiscal do governo”, pois elas destinam-se a “fechar o cerco contra abusos e distorções na concessão do seguro-desemprego e outros benefícios, gerando economia estimada de R$ 18 bilhões em recursos públicos” (Blog do Planalto, 31/12/14), e garantir o patrimônio representado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), constituído com verbas do FGTS. Ora, é sabido que existem fraudes, inclusive no seguro-desemprego, estas relacionadas à própria configuração do mercado de trabalho no Brasil. Mas, ao mesmo tempo, é óbvio que a dimensão de tais fraudes não justifica a restrição brutal que foi adotada. O alto índice de rotatividade existente na economia brasileira torna particularmente perversa a ampliação do prazo de carência do seguro-desemprego, de seis meses para 18 meses (e 12 meses, no caso da segunda solicitação). Desse modo, trabalhadores demitidos com menos de um ano e meio de registro na carteira deixarão de ter direito ao benefício, em nome da “segurança fiscal do governo”.

De acordo com a Controladoria Geral da União (CGU), os pagamentos indevidos de seguro-desemprego envolveram o setor público e o setor privado. Porém, atentemos para os dados que o próprio governo divulga: “Em 2011, dos 7,168 milhões de auxílios pagos, 53.903 foram indevidos, gerando perdas de R$ 108,7 milhões”. Ou seja: as fraudes representariam menos de 1% (0,75%) do universo de auxílios concedidos!

Esta proporção é discrepante dos dados alardeados por Dias e reproduzidos pelo Blog do Planalto: “Esses abusos e fraudes turbinaram as despesas com o seguro-desemprego em cerca de 10,35% neste ano [2014], devendo chegar aos R$ 35,2 bilhões”. Formulada dessa maneira, a frase dá a entender que o montante das supostas fraudes chega a R$ 35,2 bilhões; mas, admitindo-se que os números oficiais sejam corretos, ela representa um décimo daquele valor, isto é: R$ 3,52 bilhões.

O pretexto do governo é de que o prazo atual “favorece mais aqueles que acessam [sic] o benefício pela primeira vez, ao invés dos que precisam recorrer com frequência ao seguro”, e de que aumentando as exigências para a primeira e a segunda solicitação, “o governo concentra os benefícios em quem mais precisa e protege o trabalhador mais vulnerável”. Ora, como distinguir entre quem é mais ou menos vulnerável?

Um pai de dois filhos, que tenha trabalhado por, digamos, seis anos consecutivos; tenha ficado desempregado e feito jus à primeira solicitação do benefício; e após reempregar-se venha a ser demitido onze meses depois, não seria tão vulnerável quanto um outro trabalhador com mesmo número de filhos, tempo de trabalho e histórico de solicitação do seguro-desemprego semelhantes, mas que venha a ser demitido, pela segunda vez, após um ano e dois meses no posto (e portanto com direito ao benefício)?

No caso do seguro-defeso, de fato há grande número de concessões indevidas, casos de fraudes, e até quadrilhas se constituiram para auferir fraudulentamente o benefício. Portanto, seria inevitável tomar medidas saneadoras. Contudo, uma vez que o seguro-defeso é uma proteção financeira indispensável para os pescadores artesanais de todo o Brasil durante o período em que a pesca é proibida, aumentar de um ano para três anos o período mínimo de atividade exigido para a concessão de novos benefícios é uma restrição extremamente dura. Implica que o pescador que ingressar na atividade terá de trabalhar durante três anos consecutivos sem ter direito ao seguro-defeso nos períodos em que a pesca estiver interditada.

Todas estas medidas permitirão ao governo economizar migalhas, em termos de Orçamento da União, ao passo que poderão transformar em verdadeiro inferno a vida cotidiana de centenas de milhares de famílias que dependem desses modestos benefícios para sobreviver, mas por qualquer motivo não se enquadrem nas novas exigências para obtê-los.

O combate às fraudes é um dever de qualquer governo que se pretenda honesto e democrático. O que surpreende é que há diversas outras medidas à disposição do governo, caso se disponha de fato não apenas a coibir fraudes, como também a ampliar a arrecadação fiscal de modo a continuar oferecendo serviços públicos na quantidade e qualidade necessárias.

A simples ampliação da fiscalização tributária e da ação da CGU, por exemplo, poderia trazer aumento das receitas e economia de gastos bem superiores aos que serão obtidos mediante o anunciado arrocho de benefícios trabalhistas e previdenciários (pois é disso que se trata). Mas o ministro Jorge Hage, da CGU, deixou o cargo queixando-se de que seus pedidos de fortalecimento do órgão não foram atendidos.

Mais uma vez um governo conduzido por um(a) petista tem início com um ataque a direitos dos trabalhadores, o que é péssimo sinal sob qualquer prisma. Mais uma vez o “mercado”, derrotado nas urnas, vê atendida a sua grita contra os “gastos sociais” e em favor do “superávit primário”.

Para nós petistas, “comprar” a versão do governo, reproduzindo acriticamente os press-releases oficiais, é um caminho rápido para o desmanche político e organizativo. Os otimistas dirão que a política de valorização do salário-mínimo foi mantida, o que é positivo. É verdade. Mas corremos o risco de ver toda a agenda da classe trabalhadora desmoronar, com uma ou duas exceções que sirvam para nos desmobilizar. Nem o PT nem a CUT podem ficar calados neste momento, sob pena de novos ataques e agressões à classe trabalhadora.

* Pedro Estevam da Rocha Pomar é jornalista e militante do PT.