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domingo, 28 de dezembro de 2014

Novo bispo de Aracaju, Dom João Costa, proibiu as Missas e eventos de “cura e libertação”, quando arcebispo de Iguatu no Ceará

Causou alegria para todos os fieis católicos sergipanos a indicação pelo Papa Francisco do lagartense Bispo Dom João José Costa como novo arcebispo de Aracaju. O bispo dom João Costa é membro da ordem dos carmelitas que deverá assumir a nova função nas terras de Serigy no dia 04 de janeiro de 2015.

Além das diversas obras sociais que vinha sendo realizadas em Iguatu, outra marca importante de Dom João foi proibição de celebração de missa de cura e libertação, orações em língua e ‘repouso’ no Espírito Santo, ritos ligados à Renovação Carismática Católica (RCC). A decisão foi anunciada em carta circular enviada aos padres, religiosos e aos católicos provocando insatisfação entre os católicos que participavam das celebrações. O documento apresentava orientações normativas sobre celebrações dentro e fora da igreja.

Em Sergipe presenciamos missas de curas e libertação que atraem centenas de católicos que conviverão com essa nova orientação que tem respaldo em recente decisão da CNBB que proibiu essas missas através do documento intitulado "Orientações pastorais sobre a renovação carismática católica". Dom João Costa defende claramente que a igreja acolhe a Renovação Carismática Católica, mas não aceita exageros e deturpações e quer preservar a identidade da igreja diocesana.

Outro ponto enfrentado por Dom João Costa diz respeito ao surgimento do movimento pentecostal na Igreja Católica. De acordo com a análise de dom João Costa esses movimentos dão ênfase ao subjetivismo e distancia-se da realidade. Rituais de cura, libertação e "repouso" no Espírito Santo são considerados pela Igreja como experiências individuais, sem promoção social e comunitária. Portanto, fogem à tradição das celebrações do catolicismo e aos ensinamentos do próprio Jesus Cristo.

A postura de Dom João Costa anima os movimentos sociais sergipanos, pois poderemos ver a igreja reaproximando das lutas por direitos a: terra, moradia, emprego, direitos das mulheres, da juventude, dos indígenas e quilombolas... Essa visão católica da Teologia da Libertação interpretam os ensinamentos de Jesus Cristo em termos da libertação em relação as injustiças econômicas, políticas e sociais. A Teologia da Libertação visa uma reinterpretação da fé cristã, em vista aos problemas sociais do povo, conforme defendido por Jesus Cristo.

A vinda de Dom João Costa para assumir a arquidiocese de Aracaju anima a todos que lutam contra a exclusão social, a injustiça, a negação de direitos, a concentração de terras e a miséria do povo. Seja bem vindo Bispo João José Costa.

sábado, 27 de dezembro de 2014

Renúncia fiscal e a suposta crise do Estado de Sergipe


*Por José Antônio dos Santos

Nesse final de ano os servidores públicos estaduais receberam um presente de grego do governo Jackson, a retirada de diversos direitos consagrados há anos, sob o argumento de que o Estado está em crise ou vai entrar em crise.
No debate travado na Assembleia Legislativa, entre o Secretário da Fazenda e o presidente do Sindifisco, ficou constatado que não existe crise, existe, isso é verdade, uma despesa crescente com aposentadorias, mas isso já era previsível desde 1998, quando da reforma da previdência dos servidores públicos, portanto, não constitui novidade.

Mas o que chama a atenção nessa discussão é o montante de renúncias fiscais. Somente com o Programa Sergipano de Desenvolvimento Industria-PSDl, que beneficia 350 empresas, a previsão em 2014 é quase 1 bilhão de reais, isso mesmo, não é milhão, é bilhão.
Esse valor equivale ao orçamento da saúde ou da educação e supera em muito o da segurança para 2015. A renúncia nesse programa chega a 93,5% do ICMS devido. Duração, até 25 anos, ¼ de século de renúncia. Isso não é razoável.

O programa chega ao absurdo de considerar estratégico ao desenvolvimento do Estado a fabricação de bebidas alcoólicas. Imagine a quantidade de acidentes de trânsito, homicídios, doenças, desarmonia familiar e outros tantos males que a bebida causa. Parte considerável dos gastos da saúde, da segurança e da justiça são destinados a atender as consequências do alcoolismo incentivado. Mas isso é estratégico para o Estado.
O argumento do governo para tais renúncias é muito simplório, se não concedemos outros Estados concedem, geram empregos. Quantos? Ninguém sabe. Ora, se não tem saída, então porque Jackson Barreto e outros governadores em 2013, segundo noticiou fartamente a imprensa, foram ao STF pedir que não cancelasse essas renúncias. O cancelamento seria pra todos, acabava o problema. Isonomia.

As renúncias não se limitam a esse programa, existem outras centenas, inclusive algumas concedidas por decreto, que é ilegal. Nos últimos meses várias renúncias foram concedidas, por exemplo, no mês em que o governo atrasou o salário dos servidores, o Diário Oficial publicou dois decretos de renúncias fiscais. Antes da eleição, foi anunciada redução de IPVA para locadoras e adesão ao limite máximo do Simples Nacional, equiparando Sergipe a Estados ricos como São Paulo.

Tudo isso prova que não existe crise, quem está em crise não renuncia receita. A crise está sim no sucateamento do serviço público, exatamente pela falta dos impostos da renúncia, ou seja, a população paga os impostos embutidos nos preços das mercadorias e serviços, mas de forma “legal” é apropriada por privilegiados.

Mas aderindo ao discurso do governo, se ele quisesse resolver a sua suposta crise, bastaria reduzir a renúncia do PSDI para 33,5%, que convenhamos ainda seria um baita benefício, essa medida injetaria nos cofres públicos 700 milhões/ano.
O governo Jackson Barreto tem duas opções: Resolve a “crise” retirando direitos dos servidores públicos ou cancela, ou ao menos reduz, essas escandalosas renúncias. Parece que ele já fez a opção, a conta vai para os servidores, a renúncia fiscal é sagrada.

*Auditor da Secretaria da Fazenda, Pós-graduado em Direito Tributário e em Auditoria e Controladoria.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

O Ensino Médio dentro do novo Plano Nacional de Educação - PNE

Para o ensino médio, o novo Plano Nacional de Educação prever, em sua meta, universalizar, até 2016, o atendimento escolar para todos os estudantes de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos e elevar, até o final do período de vigência do Plano (2024), a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%.

Portanto, duas metas são estabelecidas para o ensino médio: garantir que até 2016 a educação no Brasil atenda 100% dos jovens de 15 a 17 anos, independentemente da série que estejam estudando. Atualmente, o país possui 84,2% desses jovens estudando. A outra meta a ser atingida é garantir que até 2024 tenhamos 85% da matrícula líquida no ensino médio. O Brasil possui apenas 54,1% de matrícula líquida nessa modalidade de ensino. Já o Estado de Sergipe a situação é ainda pior, possuindo apenas 41,6%.

A matrícula líquida corresponde ao número total de matrículas de alunos com a idade prevista para estar cursando um determinado nível de ensino em relação à população total da mesma faixa etária. Trata-se de um indicador que tem como objetivo verificar se a população naquela faixa etária se encontra na idade recomendada para estudar em determinada série.

Para atingir tais metas, o novo PNE define que o Estado brasileiro deve institucionalizar programa nacional de renovação do ensino médio, a fim de incentivar práticas pedagógicas com abordagens interdisciplinares estruturadas pela relação entre teoria e prática, por meio de currículos escolares que organizem, de maneira flexível e diversificada, conteúdos obrigatórios e eletivos articulados em dimensões como ciência, trabalho, linguagens, tecnologia, cultura e esporte, garantindo-se a aquisição de equipamentos e laboratórios, a produção de material didático específico, a formação continuada de professores e a articulação com instituições acadêmicas, esportivas e culturais.

Assim como previsto para o Ensino Fundamental, o PNE prever que no prazo de 02 (dois) de vigência do Plano, o Ministério da Educação elaborará e encaminhará ao Conselho Nacional de Educação – CNE proposta de direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para os alunos do ensino médio com vistas a garantir formação básica comum. Essa proposição atende, mais uma vez, aos interesses das empresas de ensino, interessadas apenas no lucro para venda dos pacotes instrucionais com discurso de “melhorias” para o ensino público. Uma festa do capital!

Fica claro que essa base curricular comum tem com referência Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, instrumento de avaliação sistêmica que visa subsidiar políticas públicas, bem como instrumento de avaliação certificadora para aferição de conhecimentos e habilidades adquiridos dentro e fora da escola e instrumento de avaliação classificatória como critério de acesso à educação superior. Vale ressaltar que esse exame nacional está central na concepção pedagógica burguesa para educação definida como pedagogia das competências.

Essa alternativa para enfrentar o problema da evasão do Ensino Médio, dos baixos indicadores rendimento escolar aferido nas avaliações em larga escala (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB) tem sido a de reformar o currículo do Ensino Médio para estabelecer um padrão de qualidade necessário para formar de maneira adequada o “cidadão produtivo”. Para o Ministério da Educação e os empresários da educação, a alternativa é um novo currículo mais flexível e menos fragmentado com o menor peso das disciplinas hoje existentes.

Entendemos grave, pois entendemos que o currículo do Ensino Médio deve expressar a educação unitária e universal destinada à superação da dualidade entre formação geral e formação técnica e voltada para assegurar a apropriação dos conhecimentos científicos, filosóficos, artísticos e políticos, vinculados ao processo de produção da existência humana em sua diversidade e complexidade. Isso significa superar as simplificações curriculares, a racionalidade instrumental e preparação técnica proposta pelos modelos de ensino profissional. Em síntese, a organização das experiências e os processos sobre o conhecimento sistematizado devem ter como objetivo a construção das identidades dos estudantes a partir da compreensão crítica do mundo real.

Ainda para aumentar a taxa líquida de matrícula no ensino médio, o Plano prever a ampliação de programas e ações de correção de fluxo do ensino fundamental, por meio do acompanhamento individualizado dos estudantes com rendimento escolar defasado e pela adoção de práticas como aulas de reforço no turno complementar, estudos de recuperação e progressão parcial, de forma a reposicioná-lo no ciclo escolar de maneira compatível com sua idade. Além disso, o PNE prever, também, a expansão das matrículas gratuitas de ensino médio integrado à educação profissional, observando-se as peculiaridades das populações do campo, das comunidades indígenas e quilombolas e das pessoas com deficiência.

O problema dessa estratégia é que ao final do Ensino Fundamental o estudante deverá fazer a opção de sua profissionalização, podendo, inclusive, sentenciar o seu destino em função da escolha realizada. Nessa perspectiva, com 18 anos, em média, ele estaria apto a se tornar um “cidadão produtivo” na lógica do capital, deixando de ser um problema para a sociedade e para a sua família. Essa situação objetiva-se simplesmente oferecer uma resposta paliativa ao problema sem enfrentar os elementos centrais geradores que envolvem o Ensino Médio e a população entre 15 a 17 anos.

Nessa perspectiva, enquanto uns terão a escolarização básica assegurada em preceitos gerais de cunho humanista e de base científica, que não qualifica imediatamente para o mercado de trabalho, outros estarão submetidos aos processos de formação (e treinamento), muitas vezes aligeirados e superficiais, objetivando a entrada imediata no mercado de trabalho. É importante considerar, ainda, o risco de predomínio da utilização da pedagogia das competências na delimitação dos processos formativos desse nível de ensino, em decorrência de sua funcionalidade econômica e social, mais um “prato cheio” para as empresas de ensino.

Para garantir o acesso e permanência dos estudantes nas escolas de ensino médio, o PNE prever o acompanhamento e o monitoramento do acesso e da permanência dos jovens beneficiários de programas de transferência de renda, quanto à frequência, ao aproveitamento escolar. Bem como, promover a busca ativa da população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos fora da escola, garantindo a oferta de ensino médio nos turnos diurno e noturno, bem como a distribuição territorial das escolas de forma a atender a toda a demanda, de acordo com as necessidades específicas dos estudantes.

Existe, também, a estratégia de implementar políticas de prevenção à evasão escolar através de combate ao preconceito ou quaisquer formas de discriminação, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão, práticas irregulares de exploração do trabalho, consumo de drogas, gravidez precoce, em colaboração com as famílias e com órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à adolescência e juventude.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Ensino Fundamental, alfabetização e PNE 2014 - 2024

Podemos destacar no PNE a meta de universalizar o ensino fundamental de 9 (nove) anos para toda a população de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos e a garantia que, pelo menos, 95% (noventa e cinco por cento) dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada até o último ano de vigência do plano.

Para que a referida meta seja possível, o PNE aponta que o Conselho Nacional de Educação elaborará resolução sobre direitos, objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para os alunos do ensino fundamental de acordo com um pacto entre União, Estados e Municípios para que adotem uma base nacional comum curricular do ensino fundamental. Essa proposição atende aos interesses das empresas de consultorias que vendem seus pacotes instrucionais a Estados e Municípios, visando o lucro e não a qualidade do ensino, negando o papel da educação enquanto processo de formação humana. Essa realidade que vive a educação nacional deixa claro processo de mercantilização do ensino.

O PNE prever a criação de um sistema de acompanhamento individualizado dos alunos do ensino fundamental através de monitoramento do acesso, da permanência e do aproveitamento escolar dos beneficiários de programas de transferência de renda, dos que sofrem com discriminação, preconceitos e violências na escola. Além de maior aproximação entre a escola e a família.

Além disso, o plano deixa claro a necessidade da chamada pública para promover a busca de crianças e adolescentes fora da escola, em parceria com órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à infância, adolescência e juventude. Para garantir a permanência, o plano estabelece o desenvolvimento de tecnologias pedagógicas que combinem, de maneira articulada, a organização do tempo e das atividades didáticas entre a escola e o ambiente comunitário, considerando as especificidades da educação especial, das escolas do campo e das comunidades indígenas e quilombolas, adequando o calendário escolar de acordo com a realidade local, a identidade cultural e as condições climáticas da região.

A priorização de atividades culturais dentro e fora dos espaços escolares, transformando-as em polos de criação e difusão cultural é outro aspecto de destaque no PNE. O novo PNE destaca, ainda o oferecimento de atividades extracurriculares de incentivo aos estudantes inclusive mediante certames e concursos nacionais, numa clara apologia a meritocracia. Estabelece que as escolas devem promover atividades de desenvolvimento e estímulo as atividades esportivas nas escolas, interligadas a um plano de disseminação do desporto educacional e de desenvolvimento esportivo nacional.

Já em relação aos primeiros anos do ensino fundamental, o PNE destaca a necessidade de alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro) ano do ensino fundamental. Para atingir essa meta, o plano estabelece a necessidade de articulação do ensino fundamental com as estratégias desenvolvidas na pré-escola. Destaca, também, a importância de qualificação e valorização dos professores alfabetizadores e do apoio pedagógico específico.

O forte debate meritocrático é constante no PNE, pois defende também a existência de outra avaliação nacional periódica e específica para aferir a alfabetização das crianças, aplicada a cada ano nos 03 (três) primeiros anos do ensino fundamental. Além da avaliação nacional anual nessas séries, o PNE orienta que Estados e municípios criem seus respectivos instrumentos de avaliação e monitoramento, de modo a implementar medidas pedagógicas para alfabetizar todos os alunos e alunas até o final do terceiro ano do ensino fundamental.

Esse processo de controle transforma o ensino público em modelos empresariais com metas a serem quantificadas. Essa necessidade de quantificar o ensino apenas serve para que a formação humana seja secundarizada, deixando de lado a compreensão crítica da realidade. Formaremos crianças e jovens para serem obedientes ao mercado de trabalho que conseguem perceber a realidade, mas não conseguem entender o porquê que os problemas estão acontecendo. A luta dos profissionais da educação é contrária a esse modelo alienante e meritocrático.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Classes e luta de classes: perspectivas


Por Wladimir Pomar

As jornadas populares de junho de 2013, assim como a sequência de greves de trabalhadores assalariados, as mobilizações de trabalhadores sem-terra e sem-teto, e as manifestações dispersas de outros setores sociais, expressam a emergência da luta das novas gerações das classes populares. Após mais de 25 anos de descenso, a luta de classes retomou sua ascensão.

Essa retomada se deve a um conjunto variável de fatores. O crescimento econômico produzido a partir de 2003, mesmo incapaz de reverter a inércia desindustrializante do período neoliberal, promoveu a criação de mais de 20 milhões de empregos. Em outras palavras, causou uma profunda mobilidade da classe dos excluídos para a classe dos trabalhadores assalariados, colocando milhões de brasileiros em concorrência no mercado de trabalho.

Os programas de transferência de renda, articulados a programas de educação básica e profissional, e de saúde pública, colocaram outros milhões de excluídos na situação de semi-incluídos no caos do mercado. Assim, ao contrário da suposição de que essas políticas governamentais seriam amortecedoras da luta de classes, na verdade elas atenderam a uma parte das demandas básicas das classes pobres e miseráveis e introduziram as condições para demandas e reivindicações mais elevadas.

As novas gerações das classes populares, ao verem atendidas, mesmo em parte, suas demandas básicas de sobrevivência, confrontaram-se não só com as diferentes formas exploração capitalista. Confrontaram-se, também com transportes urbanos caros, insuficientes e ineficientes, com uma educação e uma saúde publica deficiente, com a ausência de moradia e de saneamento básico, e com pouca oferta de alimentos e bens de consumo a preços acessíveis.

Confrontaram-se, ainda, com um aumento aparentemente inexplicável da violência. Esta, tanto por parte das parcelas excluídas não beneficiadas pelas políticas de emprego e de transferência de renda, quanto por parte da repressão policial às lutas por novas conquistas econômicas e sociais. Assim, a nova luta de classes emergiu sem que as classes populares tivessem consciência de que insuficiências, ineficiências, deficiências, ausências, preços elevados e violências estão relacionados com a privatização dos serviços públicos e com a herança de décadas de estagnação e devastação neoliberal. Mas demonstrou a compreensão da necessidade de uma presença mais efetiva do Estado para solucionar tais problemas.

Ou seja, as demandas relacionadas com o transporte urbano e suburbano, com a educação e a saúde pública, com a moradia e o saneamento básico, com o aumento da oferta de alimentos e bens de consumo não duráveis a preços mais baixos, e com a segurança pública, configuraram uma situação em que a ação do governo e do Estado não podem ficar amarrados aos projetos e ritmos da primeira década do século 21.Os membros do governo não podem mais continuar vacilando diante da necessidade das reformas. Não é mais possível aceitar, por exemplo, que um ministro se coloque contra a reforma das comunicações, por medo da rede Globo.

É necessário explicitar sem rodeios a posição diante das reformas reclamadas pelas ruas, mesmo que a maioria do congresso e da mídia expresse sua oposição a elas. A disputa terá que estar voltada não mais para o interior do congresso e do governo, mas para as grandes massas que compõem os excluídos, a classe trabalhadora assalariada e parcelas significativas da pequena-burguesia proprietária.

Não é por acaso, frente às eleições de 2014, que os setores reacionários já proclamem a necessidade de um golpe “moralizador”, ao invés da via eleitoral. E que os candidatos que expressam os interesses da grande burguesia se vejam na contingência de defender mudanças “para melhor”. Escondem o tipo real de mudanças que pretendem adotar, mas sabem que mudar “para melhor” faz parte do sentimento das grandes massas da população. Estas acordaram para a luta econômica e social e, apesar das aparências em contrário, também para a luta política. E colocam as mudanças no centro da disputa pela hegemonia política e social.

Para conquistar as mudanças ou reformas estruturais demandadas pelas camadas populares da população brasileira é necessário que a esquerda constitua, juntamente com essas camadas e com parte das camadas médias, uma grande força social e política capaz de deter e derrotar a ofensiva da direita. As diferentes correntes da esquerda precisam encontrar os pontos comuns capazes de unificá-las na luta contra seus principais inimigos de classe. Isto é, a grande burguesia corporativa que monopoliza e domina a sociedade brasileira. Infelizmente, ainda não vivemos uma situação revolucionária, mas estamos diante de um momento crucial da luta contra a hegemonia e o domínio político da grande burguesia.

Portanto, as alianças internas na esquerda devem ter como parâmetro as reformas estruturais. São reformas que visam aumentar o papel e os investimentos do Estado na indústria e nos serviços públicos, aprofundar a participação democrática das classes populares nas decisões do Estado e dos governos, e democratizar a economia, desmantelando os monopólios e oligopólios. Ou seja, reformas que, mesmo não superando o capitalismo, contribuam para o desenvolvimento das forças produtivas e para o aumento quantitativo e qualitativo da classe trabalhadora assalariada e de sua fração industrial na sociedade brasileira.

Dizendo de outro modo, as reformas estruturais devem combinar a melhoria das condições de vida da maioria do povo com a constituição de uma poderosa força social trabalhadora (industrial, agrícola, comercial e de serviços). Força social capaz de se contrapor à burguesia como um todo, tanto na vida econômica e social, quanto no Estado. Se as correntes de esquerda não se aliarem em torno dessa questão estratégica, será mais difícil unificar-se em torno dos problemas e alianças táticas.

No momento, tais problemas estão centrados nas eleições presidenciais de 2014. A questão chave aqui consiste em derrotar os representantes políticos, escrachados ou ocultos, da grande burguesia corporativa. Esta tem como objetivo central retomar o caminho neoliberal de superávit primário elevado, juros altos, privatização dos ativos estatais, arrocho salarial, estagnação econômica e desemprego como instrumentos de combate à inflação. Os rachas nas supostas forças de sustentação do governo Dilma e a migração delas tanto para a candidatura Aécio quanto para a candidatura Campos, expressam o fim das ilusões da burguesia corporativa de que o PT e Dilma seguiriam o caminho da socialdemocracia europeia, transformando-se em paladinos neoliberais.

As respostas do governo Dilma às manifestações populares, embora ainda tímidas, reiteraram o compromisso com a luta pelas reformas política, tributária, da comunicação, agrária, urbana, das jornadas de 40 horas, e do fortalecimento dos conselhos populares. O que causou, na prática, uma rebelião tanto da direita oposicionista, quanto daquela incrustada no governo. Nessas condições, o PT está sendo levado a não mais submeter-se aos interesses do PMDB, nem às oligarquias regionais, e a tomar como critério básico de suas alianças o programa de reformas estruturais.

Na prática, o PT e Dilma estão sendo levados a defender um programa de reformas que implicará em um arco de alianças diferente daquele armado em 2010. Ou seja, um arco que contemple fundamentalmente os partidos de esquerda e de centro-esquerda e, principalmente, as organizações e os movimentos sociais. É lógico que há setores da burguesia em contradição com a burguesia corporativa, interessados nas reformas que facilitem a industrialização do país. Tais setores, embora percam a parcela de governo que haviam conquistado em 2010, podem participar desse novo arco de alianças. O que é bom porque divide a burguesia como classe.

Assim, embora as eleições de 2014 possam parecer menos polarizadas do que as de 2010, na verdade estarão em jogo forças e projetos muito mais antagônicos do que os de quatro anos atrás. Enquanto em 2010 a oposição a Dilma e ao PT aparecia apenas como uma força extremamente reacionária, agora ela aparece como uma força mudancista para “melhor”, embora esse “melhor” seja o retorno ao neoliberalismo devastador dos anos 1990. Nesse contexto, o dilema da esquerda e do povo brasileiro deixou de ser a disputa entre o melhorismo e o reacionarismo.

Passou a ser a disputa entre mudancismo regressivo e reformas estruturais que contribuam para mudar a correlação de forças entre a burguesia e a classe dos trabalhadores assalariados a favor desta. O que dependerá, em grande medida, das retificações estruturais que o próprio PT fizer em seu interior. Isto é, retificações que permitam à sua militância recuperar a disposição de luta, a participação nas decisões partidárias e o repúdio aos métodos de trabalho clássicos e corruptos dos partidos burgueses. Ou seja, que saiba combinar as formas de lutas antigas, como as realizadas pelos garis do Rio de Janeiro e pelos motoristas e cobradores de transportes coletivos de diversas cidades do país, com as formas de luta de grande parte das gerações jovens contemporâneas.

Essas são as perspectivas da luta de classes no Brasil. Espero que a série de textos a respeito tenha contribuído, de alguma forma, para suscitar o debate sobre as classes sociais e a luta entre elas, questão chave para definir qualquer projeto estratégico que tenha o socialismo como perspectiva futura.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

PNE e a Educação infantil: Meta 01

A aprovação da lei nº 13.005, de 25 Junho de 2014 que institui o PNE-Plano Nacional de Educação que, no seu anexo, estabelece 20 metas com centenas de estratégias. A meta 01, objeto de nossa discussão, tem como objetivo universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE.

A meta 01 do PNE define, portanto, que o Estado brasileiro deve se responsabilizar e pagar sua dívida social com milhões de famílias que precisam de escolas de educação infantil e creches para deixar seus filhos. Para atender a essa demanda, o Plano ainda define que o poder público deve estimular o acesso à educação infantil em tempo integral, para todas as crianças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos.

Entretanto, o pagamento dessa dívida passa pela necessidade de funcionamento do regime de colaboração entre União, Estado e, principalmente, municípios, pois serão os governos municipais quem efetivarão tal política.

Nessa perspectiva, o PNE define que os entes deverão, periodicamente, realizar levantamento da demanda por creche para a população de até 3 (três) anos, através de consulta pública. Tal ação visa planejar a oferta e verificar o atendimento da demanda identificada. Entretanto, o PNE determina que os entes realizarão e publicarão, a cada ano, levantamento da demanda manifesta por educação infantil em creches e pré-escolas, como forma de planejar e verificar o atendimento da necessidade real de matrícula na educação infantil. Tal definição, coloca muitos municípios na parede, pois grande parte de prefeitos se negam a criarem creches devido o elevado custo para manutenção dessas unidades de ensino.

Chama nossa atenção o retrocesso na legislação em relação às entidades chamadas de filantrópicas que poderão ser contratadas pelo poder público para atender as matrículas de creches. Entendemos um retrocesso, pois a lei nº 11.494 de 2007, art.8º § 3º, que criou o FUNDEB define que tais entidades devem atender a matrícula pública, somente até 2016. A partir deste ano não mais atenderão as matrículas públicas, pois essas matrículas serão, exclusivamente, ofertadas em estabelecimentos públicos.

Para atendimento a educação infantil, o PNE determina que a nucleação de escolas deve ser limitado, de modo a evitar o deslocamento de crianças. Define, também, a necessidade de articulação entre as áreas de educação, saúde e assistência social, com foco no desenvolvimento integral das crianças de até 3 (três) anos de idade.

O mais grave em relação à educação infantil é a criação de uma avaliação nacional a cada 02 anos. Essa medida, no nosso entendimento absurda, visa preparar uma criança de 05 anos para responder uma prova. O resultado dessa prova servirá para que os tecnocratas do Ministério da Educação estabeleçam índices, de modo a ranquearem as unidades de ensino de creches e pré-escolas. O PNE estabelece que a educação infantil deve atender a parâmetros nacionais de qualidade. Nossa preocupação é que esses “padrões de qualidade” que serão elaborados pelos mesmos tecnocratas do MEC serão cobrados na prova para crianças que estão em processo de alfabetização.

domingo, 29 de junho de 2014

Porque a direita (PSDB e DEMocratas) são contra a democratização do Estado Brasileiro?

No dia 23 de Maio de 2014 foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto nº 8.243 que Institui a Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social – SNPS. O decreto, assinado pela Presidenta Dilma-PT, tem “objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil na formulação, na execução, no monitoramento e na avaliação de programas e políticas públicas e no aprimoramento da gestão pública”.

A Presidenta Dilma visa, com tal medida, atender as reinvindicações da juventude que saiu às ruas exigindo mais participação nas tomadas de decisões e mais políticas públicas. A resposta do Governo foi à edição de um marco legal que institui à democratização do Estado brasileiro para que o povo possa participar, diretamente, da definição dessas políticas públicas. O que estabelece o referido decreto é uma reinvindicação histórica do povo que sempre exigiu participar das definições das políticas públicas, pois na medida em que pagamos impostos queremos saber, definir e fiscalizar onde nosso dinheiro será investido.

Quem poderia ser contra o povo participar na definição das políticas públicas? Quem poderia ser contra a sociedade fiscalizar onde os impostos serão aplicados? Quem poderia ser contra a população brasileira definir como o dinheiro público dos impostos será aplicado? Quem poderia ser contra a democratização do Estado brasileiro? Acredite! Os partidos de direita no país PSDB e DEMocratas são contra! Esses dois partidos, através de seus representantes do Congresso Nacional deram entrada com Projeto Decreto Legislativo na Câmara e no Senado para anular o Decreto nº 8.243.

Para entendermos o porquê a direita (PSDB e DEMocratas) no Brasil é contra a participação do povo na definição das políticas públicas, somente lendo os argumentos que utilizam para justificar a apresentação dos supracitados Projeto Decreto Legislativo.

Os deputados Mendonça Filho – DEM/PE e Ronaldo Caiado - DEM/GO, afirmam nos seus argumentos que: “Cumpre ressaltar os riscos aos quais as políticas públicas passam a se submeter, ante a necessária oitiva das decisões tomadas no âmbito do aberrante “sistema de participação social””. Já o Senador Alvaro Dias – PSDB/PR afirma que o decreto: “Cria, ainda, mecanismo de representação popular impróprio, por meio de eleição de representantes da sociedade civil para o exercício de mandato em conselhos de políticas públicas, ou, ainda, mediante indicação direta (art. 10 e 11). Também estabelece modalidade de democracia direta
quando fixa diretrizes, por exemplo, para a atuação das chamadas “mesas de diálogo” (art. 14) e na criação de ambientes virtuais de participação social (art. 18).” (Grifo nosso)

Os argumentos que utilizam chegam ao absurdo de expressarem que é um risco o povo participação na definição das políticas públicas. Fica claro a defesa de que o Estado brasileiro deve ser administrado por um pequeno grupo elitizado. Nos argumentos desses partidos, o povo não sabe opinar, portanto não deve participar de nada, apenas votar de 4 em 4 anos. É revoltante ler o que pensam do povo que os elegeram!

Precisamos registrar que essa mesma direita sempre administrou o país a partir de uma concepção de gestão, onde o Estado brasileiro deveria está a serviço dos seus interesses pessoais. Isso significava que ao povo cabia apenas o simples papel de votar para garantir poder as elites de modo que pudessem usar o Estado para atender aos interesses da minoria privilegiada(empresários, agronegócio e banqueiros). Essa forma de uso do Estado serviu para aprofundar o modelo de desenvolvimento econômico concentrador e excludente ainda muito forte na realidade brasileira, pois vivemos num país rico com a maioria da população pobre e excluída.

Nesse sentido, além do PSDB e do DEMocrata outros partidos de direita, também, estão se posicionando contra o Decreto nº 8.243 no Congresso Nacional, são eles: PPS, Solidariedade, PR, PV, PSD, PSB e Pros.

Mas concretamente, do que trata o Decreto 8.243? Por que tanta reação contrária a um instrumento que amplia a participação do povo para definir com o dinheiro público deve ser gasto pelos governantes para melhorar a vida das pessoas? Vamos apontar alguns aspectos do Decreto que julgamos importante destacar:

1- Institui a Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social – SNPS;
2- Define as diversas formas de participação social através: sociedade civil, conselho de políticas públicas, comissão de políticas públicas, conferência nacional com etapas municipais e estaduais, ouvidoria pública federal, mesa de diálogo, fórum interconselhos, audiência pública, consulta pública, ambiente virtual de participação social na internet;
3- Determina que os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta deverão considerar as instâncias e os mecanismos de participação social para a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de seus programas e políticas públicas e são obrigados a elaborarão de relatório anuais sobre a implementação da PNPS no âmbito da administração pública federal;
4- Estabelece que a Secretaria-Geral da Presidência da República acompanhará a implementação da PNPS nos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta;
5- Determina que na constituição de novos conselhos de políticas públicas e na reorganização dos já constituídos devem ser observadas as seguintes diretrizes: presença de representantes eleitos ou indicados pela sociedade civil, preferencialmente de forma paritária em relação aos representantes governamentais; Necessidade de consulta prévia à sociedade civil, de suas atribuições, competências e natureza; Garantia da diversidade entre os representantes da sociedade civil; Acompanhamento dos processos conferenciais relativos ao tema de sua competência; e publicidade de seus atos;

Além dos pontos considerados, entendemos que o artigo 4º do Decreto 8.243 aponta a essência da participação social quando estabelece os objetivos da PNPS - Política Nacional Participação Social através: consolidação da participação social como método de governo; promoção da articulação das instâncias e dos mecanismos de participação social; aprimorar a relação do governo federal com a sociedade civil, respeitando a autonomia das partes; promover e consolidar a adoção de mecanismos de participação social nas políticas e programas de governo federal; desenvolver mecanismos de participação social nas etapas do ciclo de planejamento e orçamento; incentivar o uso e o desenvolvimento de metodologias que incorporem múltiplas formas de expressão e linguagens de participação social, por meio da internet, com a adoção de tecnologias livres de comunicação e informação, especialmente, softwares e aplicações, tais como códigos fonte livres e auditáveis, ou os disponíveis no Portal do Software Público Brasileiro; desenvolver mecanismos de participação social acessíveis aos grupos sociais historicamente excluídos e aos vulneráveis; incentivar e promover ações e programas de apoio institucional, formação e qualificação em participação social para agentes públicos e sociedade civil; e incentivar a participação social nos entes federados.

Portanto, como aponta o último objetivo da PNPS o desafio é levar essa nova forma de fazer a gestão para os Estados e Municípios, fortalecendo a participação social como princípio de governo a todos os entes da federação brasileira.

Estamos vivendo o período mais longo de democracia da história do Brasil desde 1500 quando o país foi colonizado, sofrendo intenso processo de exploração de suas riquezas, que beneficiou uma pequena elite dominante. É essa mesma elite que não aceita o povo participar nas definições das políticas públicas. Entretanto, não tenhamos dúvida o fortalecimento da democracia somente será possível com o fortalecimento da participação social. O Decreto 8.243 é um marco importante para dá voz e vez ao povo brasileiro. É urgente essa ampliação para que todas as instâncias de poder: Executivo, Legislativo e Judiciário sejam democratizadas com o povo participando, opinando, fiscalizando e denunciando. Que se fortaleça a democracia! Que se fortaleça a participação social! Viva o Brasil livre e democrático!

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Nota de Repúdio ao Vereador Agamenon Sobral



As entidades que subscrevem essa nota vêm a público repudiar as agressõesverbais sexistas do vereador Agamenon Sobral (PP), que na última terça-feira, 03/06, ultrapassou os limites não só do decoro parlamentar, mas também do respeito à sociedade sergipana, em especial, às mulheres trabalhadoras.

Desde o início deste, que é o seu primeiro mandato, ele tem se utilizado da imunidade parlamentar para agredir trabalhadores e trabalhadoras do serviço público e as suas organizações sindicais. Seus mais recorrentes alvos são os trabalhadores do Magistério e da Enfermagem.

O ápice da grosseria ocorreu no dia, 03, quando agrediu verbalmente, por duas vezes, a presidenta do Sindicato dos Trabalhadores em Enfermagem de Sergipe, Flávia Brasileiro. A primeira agressão ocorreu quando a sindicalista encontrava-se na sala da presidência da Casa, e depois, no plenário, quando a representante da categoria, que ocupava a tribuna livre, repetiu para os demais parlamentares a agressão verbal que ouvira do vereador do PP.

Em síntese, buscando acusar as enfermeiras de utilizarem o horário de trabalho para práticas sexuais em motéis, o vereador acusou as enfermeiras de fazerem “boquete” nos médicos e mandou a presidenta do Sindicato de Enfermagem “se fuder” – expressões que demonstram desequilíbrio para o cargo político que ocupa – de representante do povo, cuja função impõe o dever político de representar os anseios da sociedade e não desqualificar quaisquer categorias de trabalhadoras e trabalhadoras. Essa postura, em nosso entendimento é agressiva e, para além de atingir apenas a classe das enfermeiras, atinge todos os demais coletivos de mulheres trabalhadoras, uma vez que reproduz valores que só geram uma cultura de ódio, machismo e preconceito em relação às questões de gênero.

Sabemos que o problema na Saúde, ou de qualquer outro serviço público, não pode pesar sobre os ombros de quem depende de uma série de condições para que o trabalho seja efetivado, isso por si só, já seria um erro incomensurável. Entretanto, não obstante, o vereador Agamenon Sobral, além de afirmar que os problemas dos atendimentos médicos estão no corpo profissional, deferiu uma série de acusações levianas, colocando as enfermeiras - e as mulheres sergipanas como um todo - em um grau de exposição que jamais se viu na história de Sergipe, reforçando um estereótipo de mulheres enquanto objeto sexual, algo, infelizmente, ainda tão perpetuado na nossa sociedade sexista.

Se há problemas na prestação de serviços à população por parte de alguns servidores públicos, cabe a ele, como fiscal da população, encaminhar as denúncias aos órgãos competentes para que sejam apuradas e, caso se mostrem verdadeiras, que as providências sejam tomadas.

É flagrante que o vereador já fez “uso de expressões consideradas impróprias contra outros vereadores ou acusações levianas, sem comprovação. O triste episódio ocorrido na Câmara de Vereadores de Aracaju, é prova, mais uma vez, de que o vereador Agamenon Sobral não tem se mostrado digno de exercer um mandato de parlamentar, e quiçá, um cidadão que saiba os seus direitos e deveres dentro de um Estado Democrático de Direito.

Por todas essas razões, conclamamos que após mais essa intolerável postura condenável do vereador Agamenon Sobral, a mesa diretora do parlamento aracajuano faça valer o artigo 98 da Lei Orgânica do Município de Aracaju, que com certeza condizirá com quebra de decoro parlamentar, devendo por esse motivo ser punido com a cassação de seu mandato.

Marcha Mundial de Mulheres
Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH/SE
Central Única dos Trabalhadores – CUT/SE
Sindicato dos Assistentes Sociais de Sergipe
Federação Nacional dos Enfermeiros
Levante Popular da Juventude
Diretório Central dos Estudantes da UFS – DCE/UFS
Sindicato dos Enfermeiros do Estado de Sergipe
SINTESE
Confederação Nacional dos Trabalhadores de Saúde
Central Única dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB/SE
Sindicato dos Condutores de Ambulância de Sergipe – SINDICONAM/SE
Sindicato dos Jornalistas de Sergipe – SINDIJOR
Associação Nacional dos Técnicos e Auxiliares de Enfermagem
Sindicato dos Trabalhadores da Saúde
Associação Brasileira de Enfermagem
Associação Brasileira de Enfermagem – Seção Sergipe
Executiva Nacional dos Estudantes de Enfermagem

Se a direita ganhar


por Igor Fuser - 05/06/2014

Engana-se quem imagina apenas uma reprise do que foram os tempos de FHC. Para entender o que pode vir por aí, é melhor pensar no Tea Party estadunidense, no uribismo colombiano, na direita ucraniana.

O Brasil enfrenta, nas eleições presidenciais deste ano, o risco de um brutal retrocesso político, com o eventual retorno das forças de direita – representadas, principalmente, pelo candidato tucano Aécio Neves – ao governo federal. Nesse caso, teremos uma guinada rumo a um país mais desigual, mais autoritário, mais conservador. Engana-se quem imagina apenas uma reprise do que foram os tempos de FHC. Para entender o que pode vir por aí, é melhor pensar no Tea Party estadunidense, no uribismo colombiano, na direita ucraniana.

Limitando este exercício de imaginação apenas à política externa, é aposta certa supor que uma das primeiras medidas de um governo Aécio seria a expulsão dos profissionais cubanos engajados no programa Mais Médicos. Também imediata seria a adesão do Brasil a um acordo do Mercosul com a União Europeia nos termos da finada Alca, cujas “viúvas” – também conhecidas como o Partido dos Diplomatas Aposentados – recuperarão o comando do Itamaraty, ávidas por agradar aos seus verdadeiros senhores, as elites e o governo dos Estados Unidos.

O Mercosul, se sobreviver, voltará a ser apenas um campo comercial, destituído do projeto político de uma integração mais profunda. A Unasul e a CELAC, esvaziadas, se tornarão, sem a liderança do Brasil, siglas irrelevantes, enquanto a moribunda OEA – o Ministério das Colônias, na célebre definição de Fidel Castro – ganhará um novo sopro de vida. Quanto ao Brics, articulação central no combate ao domínio unipolar do planeta pelo império estadunidense, sofrerá um baque, com a deserção (oficializada ou não) do seu “B” inicial.

Golpistas latino-americanos, já assanhados após os triunfos em Honduras e no Paraguai (ações antidemocráticas combatidas com firmeza por Lula e Dilma), ganharão espaço, certos de contar com a omissão ou até o apoio de um governo brasileiro alinhado com os ditames de Washington. Que o diga a performática Maria Corina Machado, líder da atual campanha de desestabilização na Venezuela, recebida com fanfarra pelo governador Geraldo Alckmin e por uma penca de jornalistas tucanos, no programa Roda Viva.

Governos e movimentos sociais progressistas, na América Latina e no mundo, perderão um ponto de apoio; as forças das trevas, como o lobby sionista internacional, ganharão um aliado incondicional em Brasília. Isso é apenas uma parte do que está em jogo nas eleições brasileiras. Espantoso é que, no campo da esquerda, tantos pareçam não se dar conta.

Fonte: Agência Brasil de Fato

terça-feira, 27 de maio de 2014

Pedradas contra o Brasil

Por Flávio Aguiar

Há uma verdadeira campanha contra o Brasil, na mídia alemã e na europeia, que atinge jornais, revistas, rádio e TV. Há campanhas sistemáticas na internet

Na madrugada de domingo para segunda feira e Embaixada do Brasil em Berlim, que também é a residência da Embaixadora, foi alvo de um ataque a pedradas por parte de um grupo de mascarados, por volta da uma hora. As primeiras informações falavam em quatro apedrejadores, mais tarde houve informações de que eram mais, até dez. Foram filmados pelas câmaras de segurança, mas sem possibilidade de identificação. Fugiram antes que a polícia chegasse.

No dia seguinte apareceu na internet uma mensagem ( Kämpferische Botschaft nach Brasilien, em linksunten-indymedia.org) em alemão, dizendo que o ataque – usando “as armas do povo – as pedras” eram um protesto contra a realização da Copa no Brasil e os altos gastos decorrentes.

Seria um acontecimento apenas ridículo (não houve vítimas, somente danos materiais) se não fosse pela moldura em que ele se dá.

Há uma verdadeira campanha contra o Brasil, na mídia alemã e na europeia, que atinge jornais, revistas, rádio e TV. Há campanhas sistemáticas na internet. Parte da campanha, a mais ideológica, é contra o governo de Dilma, contra Lula e contra o PT. Parte dela é contra o Brasil mesmo, o país em que nada funciona, tudo é precário, campeão da corrupção, da violência, homofóbico, cujo governo não tem preocupação pelo meio-ambioente, país apenas de miséria e pobreza, favelas e cortiços, país que é um fracasso de qualquer ponto de vista que se olhe, até do futebol.

Todos os dias pinga uma matéria na mídia ou na internet falando mal do Brasil, do seu governo. Até nas discussões sobre os 50 anos da ditadura militar sobrou para o Brasil atual. Uma das sessões a que fui contou com a participação de uma professora universitária vinda especialmente do Brasil para pontificar que o nosso país era um país sem memória, despolitizado, violento em todas as dimensões, etc., motivando até mesmo uma senhora do público a dizer que, de fato, o nosso país era uma país sem cultura, onde só havia “samba e música”(sic). Sem comentários.

Pior do que o Brasil na América do Sul, só a Venezuela.

Nunca se escreveu, disse, projetou em áudio-visual, nunca se repetiu tanta estupidez, ofensa, bobagem, nunca se construiu tanta desinformação ignorante disfarçada de informação e “denúncia”, sobre o nosso país como agora. É claro que para o lado mais politizado da campanha – que não precisa de conspiração, bastando apenas orquestração – qualquer referência ao Brasil de hoje, incluindo a Copa, tem na verdade por alvo o Brasil de outubro, para ajudar a desacreditar o governo de Dilma Rousseff e favorecer a oposição, seja ela qual for. O lado menos politizado, mas não menos campeão em matéria de construir a desinformação e a ignorância, tem por fulcro visível um desejo de “devolver o Brasil ao seu lugar”, de onde, pelo visto, ele não deveria ter saído.

Reconheçamos que o mesmo até acontecendo na nossa querida velha mídia, monopolista e oligárquica, dentro do país. Parte, portanto, destas campanhas, é uma ressonância do que aparece dentro das nossas próprias quatro linhas. Nossa velha mídia vem mobilizando constantemente o desejo de retorcesso por parte de quem acha seus privilégios – sejam lá quais forem, ilusórios ou não – ameaçados pelas melhorias sociais que mudaram o perfil do nosso país. São pessoas e mídias que reproduzem uma imagem usada, com outros propósitos, por Marshall McLuhan, em seu livro dos anos sessenta, The Medium is the Message”: avançam para o futuro de olho no espelho retrovisor. Acham que é possível abafar o país e voltar a uma época em que, por exemplo, andar de avião era privilégio de poucos. Isto para falar o mínimo, diante de temas como entrar na universidade, desfrutar lazer e espaços culturais, ganhar mais no salário, ver os filhos educados no Bolsa Família quebrando o círculo vicioso da miséria que tende a se auto-reproduzir.

Fazendo um amálgama de má-fé, ingenuidade, desinformação construída, ignorância, etc., também nunca se escreveu, falou, se divulgou em todos os meios tanta estupidez sobre o Brasil no próprio Brasil também. Talvez nunca também com tanto ódio ressentido, e desprezo enrustido por nossa própria terra e nosso próprio povo. E também com ajuda de vozes da extrema-esquerda, que sistematicamente desqualificam todas as melhoras por que o país vem passando.

No plano internacional a parte mais politizada da campanha (e aí é campanha mesmo, no sentido estrito da palavra) é liderada pelos porta-vozes da City financeira londrina, The Economist e Financial Times, mas com a participação mais eventual de articulistas em outros jornais, como o New York Times e o El País, por exemplo, embora a linha destes jornais compreenda uma pequena, mais maior diversificação do que a daqueles dois panfletos anti-Brasil, anti-Dilma, e – last but not least – anti-Guido Mantega. É a campanha contra o fracassado governo “intervencionista” do Brasil e da louvação desmedida do governo “de sucesso” do México, porque este segue o receituário (neo)liberal que, na realidade, catapultou a pobreza em seu território, que hoje chega a pouco mais de 50% da população.

A parte mais “generalista” da campanha põe suas fichas em devolver o país a uma imagem que era mais cômoda para as abaladas consciências eurocêntricas, neste momento em que este continente vem se revelando um dos campeões do empobrecimento mundial. (Sou muito preciso nesta observação: empobrecimento, ainda não pobreza, embora esta venha aumentando de modo assustador e desolador). Num período em que o mundo perdeu 60 milhões de postos de trabalho (mais ou menos de 2002 a 2012, com acentuação das perdas a partir da crise de 2007/2008) o Brasil criou 16 milhões de novos postos de emprego formal.

Num momento em que na Europa se corta na carne dos direitos sociais e portanto da cidadania de fato, os trabalhadores brasileiros vêm tendo os salários melhorados, graças à política de aumento do salário mínimo, à situação considerada como de pleno emprego (para desespero dos economistas ortodoxos) e vêm aumentando sua participação na renda nacional. Mais: o Brasil se tornou um porta-voz não oficial dos países emergentes no G-20 e passou de devedor a credor no FMI – emprestando dinheiro (ainda que pouco diante das gigantescas injeções de verbas que necessárias para atender seu abalado sistema financeiro) à velha Europa! Eu poderia continuar citando “perturbações da velha imagem”, mas estas bastam para dar conta de onde vem este verdadeiro sentimento, esta necessidade ressentida, de “devolver o Brasil a seu lugar”, que ora é consciente mas também é inconsciente.

Dentro desta moldura, não dá para deixar de se considerar que, mesmo que involuntariamente, as pedradas que a Embaixada levou são uma extensão – ainda que atravessando a fronteira da retórica em direção ao “desforço físico” – das pedradas que o Brasil vem levando e que alimentam o ressentimento e o desprezo pelo nosso país.

Fonte: Agência Carta Maior

segunda-feira, 10 de março de 2014

É meu dever dizer aos jovens o que é um golpe de Estado

Publicado em 20/02/2014 do Blog de Hildegard Angel

**Há cheiro de 1964 no ar. Não apenas no Brasil, mas também nas vizinhanças. Acho então que é chegada a hora de dar o meu depoimento. Dizer a vocês, jovens de 20, 30, 40 anos de meu Brasil, o que é de fato uma ditadura.

Se a Ditadura Militar tivesse sido contada na escola, como são a Inconfidência Mineira e outros episódios pontuais de usurpação da liberdade em nosso país, eu não estaria me vendo hoje obrigada a passar sal em minhas tão raladas feridas, que jamais pararam de sangrar. Fazer as feridas sangrarem é obrigação de cada um dos que sofreram naquele período e ainda têm voz para falar.

Alguns já se calaram para sempre. Outros, agora se calam por vontade própria. Terceiros, por cansaço. Muitos, por desânimo. O coração tem razões… Eu falo e eu choro e eu me sinto um bagaço. Talvez porque a minha consciência do sofrimento tenha pegado meio no tranco, como se eu vivesse durante um certo tempo assim catatônica, sem prestar atenção, caminhando como cabra cega num cenário de terror e desolação, apalpando o ar, me guiando pela brisa. E quando, finalmente, caiu-me a venda, só vi o vazio de minha própria cegueira.

Meu irmão, meu irmão, onde estás? Sequer o corpo jamais tivemos.

Outro dia, jantei com um casal de leais companheiros dele. Bronzeados, risonhos, felizes. Quando falei do sofrimento que passávamos em casa, na expectativa de saber se Tuti estaria morto ou vivo, se havia corpo ou não, ouvi: “Ah, mas se soubessem como éramos felizes… Dormíamos de mãos dadas e com o revólver ao lado, e éramos completamente felizes”. E se olharam, um ao outro, completamente felizes. Ah, meu deus, e como nós, as famílias dos que morreram, éramos e somos completamente infelizes!

A ditadura militar aboletou-se no Brasil, assentada sobre um colchão de mentiras ardilosamente costuradas para iludir a boa fé de uma classe média desinformada, aterrorizada por perversa lavagem cerebral da mídia, que antevia uma “invasão vermelha”, quando o que, de fato, hoje se sabe, navegava célere em nossa direção, era uma frota americana.

Deu-se o golpe! Os jovens universitários liberais e de esquerda não precisavam de motivação mais convincente para reagir. Como armas, tinham sua ideologia, os argumentos, os livros. Foram afugentados do mundo acadêmico, proibidos de estudar, de frequentar as escolas, o saber entrou para o índex nacional engendrado pela prepotência.
As pessoas tinham as casas invadidas, gavetas reviradas, papéis e livros confiscados. Pessoas eram levadas na calada da noite ou sob o sol brilhante, aos olhos da vizinhança, sem explicações nem motivo, bastava uma denúncia, sabe-se lá por que razão ou partindo de quem, muitas para nunca mais serem vistas ou sabidas. Ou mesmo eram mortas à luz do dia. Ra-ta-ta-ta-tá e pronto.

E todos se calavam. A grande escuridão do Brasil. Assim são as ditaduras. Hoje ouvimos falar dos horrores praticados na Coreia do Norte. Aqui não foi muito diferente. O medo era igual. O obscurantismo igual. As torturas iguais. A hipocrisia idêntica. A aceitação da sobrevivência. Ame-me ou deixe-me. O dedurismo. Tudo igual. Em número menor de indivíduos massacrados, mas a mesma consistência de terror, a mesma impotência.

Falam na corrupção dos dias de hoje. Esquecem-se de falar nas de ontem. Quando cochichavam sobre “as malas do Golbery” ou “as comissões das turbinas”, “as compras de armamento”. Falavam, falavam, mas nada se apurava, nada se publicava, nada se confirmava, pois não havia CPI, não havia um Congresso de verdade, uma imprensa de verdade, uma Justiça de verdade, um país de verdade.

E qualquer empresa, grande, média ou mínima, para conseguir se manter, precisava obrigatoriamente ter na diretoria um militar. De qualquer patente. Para impor respeito, abrir portas, estar imune a perseguições. Se isso não é um tipo de aparelhamento, o que é, então? Um Brasil de mentirinha, ao som da trilha sonora ufanista de Miguel Gustavo.

Minha família se dilacerou. Meu irmão torturado, morto, corpo não sabido. Minha mãe assassinada, numa pantomima de acidente, só desmascarada 22 anos depois, pelo empenho do ministro José Gregory, com a instalação da Comissão dos Mortos e Desaparecidos Políticos no governo Fernando Henrique Cardoso.

Meu pai, quatro infartos e a decepção de saber que ele, estrangeiro, que dedicou vida, esforço e economias a manter um orfanato em Minas, criando 50 meninos brasileiros e lhes dando ofício, via o Brasil roubar-lhe o primogênito, Stuart Edgar, somando no nome homenagens aos seus pai e irmão, ambos pastores protestantes americanos – o irmão, assassinado por membro louco da Ku Klux Klan. Tragédia que se repetia.

Minha irmã, enviada repentinamente para estudar nos Estados Unidos, quando minha mãe teve a informação de que sua sala de aula, no curso de Ciências Sociais, na PUC, seria invadida pelos militares, e foi, e os alunos seriam presos, e foram. Até hoje, ela vive no exterior.

Barata tonta, fiquei por aí, vagando feito mariposa, em volta da fosforescência da luz magnífica de minha profissão de colunista social, que só me somou aplausos e muitos queridos amigos, mas também uma insolente incompreensão de quem se arbitrou o insano direito de me julgar por ter sobrevivido.

Outra morte dolorida foi a da atriz, minha verdadeira e apaixonada vocação, que, logo após o assassinato de minha mãe, precisei abdicar de ser, apesar de me ter preparado desde a infância para tal e já ter então alcançado o espaço próprio. Intuitivamente, sabia que prosseguir significaria uma contagem regressiva para meu próprio fim.

Hoje, vivo catando os retalhos daquele passado, como acumuladora, sem espaço para tantos papéis, vestidos, rabiscos, memórias, tentando me entender, encontrar, reencontrar e viver apesar de tudo, e promover nessa plantação tosca de sofrimentos uma bela colheita: lembrar os meus mártires e tudo de bom e de belo que fizeram pelo meu país, quer na moda, na arte, na política, nos exemplos deixados, na História, através do maior número de ações produtivas, efetivas e criativas que eu consiga multiplicar.

E ainda há quem me pergunte em quê a Ditadura Militar modificou minha vida! Hildegard Angel

**O primeiro parágrafo original deste texto, que fazia referência à possível iminente tomada do poder de um governo eleito democraticamente, na Venezuela, foi trocado pela frase sucinta aqui vista agora, às 15h06m deste dia 24/02/2014, porque o foco principal do assunto (a ditadura brasileira) foi desviado nos comentários. Meus ombros já são pequenos para arcarem com a nossa tragédia. Que dirá com a da Venezuela!

*** Pelo mesmo motivo acima exposto, os comentários que se referiam à questão na Venezuela referida no antigo primeiro parágrafo foram retirados pois perderam o sentido no contexto, pedindo desculpa aos autores dos textos, muitos deles objeto de reflexão honesta e profunda, e merecedores de serem conhecidos, mas não há motivação para mantê-los aqui no ar. O nível de truculência a que levou a discussão não me permite estimulá-la.

domingo, 9 de março de 2014

Os sonegadores irão para a Papuda? Em 2013 os ricos sonegaram R$ 415 bilhões de impostos

Por Altamiro Borges, Fonte Agência Carta Maior

Estudo do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda revelou que a sonegação de impostos em 2013 atingiu a soma de R$ 415 bilhões.

Estudo do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz) divulgado na semana passada revelou que a sonegação de impostos em 2013 atingiu a soma de R$ 415 bilhões. Ainda segundo a pesquisa, todos os tributos não pagos, inscritos na Dívida Ativa da União, ultrapassaram R$ 1 trilhão e 300 milhões. Com esta grana, o Brasil teria condições de enfrentar os graves problemas nas áreas da saúde, educação e mobilidade urbana, entre outros.

Mas os empresários e os ricaços, os principais sonegadores, preferem criticar o “impostômetro” – até como forma de ocultar o criminoso “sonegômetro”. Eles sabem que nunca irão para o presídio da Papuda nem serão alvos da escandalização da mídia – até porque a Rede Globo ainda não mostrou o Darf do pagamento do seu calote.

A sonegação de R$ 415 bilhões somente no ano passado corresponde aproximadamente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas pelo país. O valor supera, com folga, os orçamentos federais de 2014 para as pastas da educação, saúde e desenvolvimento social – somados.

Para uma simples comparação, o programa Bolsa Família investe R$ 24 bilhões ao ano para atender 14 milhões de famílias. O que foi sonegado somente em 2013 pelos ricaços equivale, portanto, a 17 anos deste programa do governo federal. Segundo Heráclio Mendes de Camargo Neto, presidente do Sinprofaz, os altos valores “são sonegados pelos muitos ricos e por pessoas jurídicas (empresas), com mecanismos sofisticados de lavagem de dinheiro e caixa dois”.

O estudo do sindicato poderia servir como base para enviar à cadeia centenas de sonegadores bilionários – alguns deles, provavelmente presentes no último ranking dos ricaços da Forbes. Ele também serve para alimentar o debate sobre a urgência da reforma tributária no Brasil.

Como aponta o Sinprofaz, quem paga impostos no país é o trabalhador. Os ricaços sonegam e ainda são beneficiados por um sistema injusto, baseado em impostos regressivos e indiretos. Quem ganha mais, paga menos; e vice-versa. “Mesmo que você seja isento do Imposto de Renda, vai gastar cerca de 49% do salário em tributos, mas quase tudo no supermercado ou na farmácia", explica Camargo Neto à reportagem da Rede Brasil Atual.

Além disso, quanto mais o contribuinte tem a declarar, maiores são as chances de abater os valores. “Os mais ricos podem abater certos gastos no Imposto de Renda. Em saúde, por exemplo, se você tem um plano privado um pouco melhor, você pode declará-lo e vai ter abatimento no cálculo final do imposto. Esta é uma característica injusta do nosso sistema. Os mais pobres não conseguem ter esse favor”, completa o sindicalista. Já o trabalhador não tem como escapar da fúria do Leão. Quem tem salário a partir de R$ 2.400 é tributado automaticamente pelo Imposto de Renda Retido na Fonte. Apesar destas distorções, os empresários ainda tentam se apresentar como vítimas de uma carga tributária injusta. Sonegam e/ou pagam pouco e ainda se travestem de vítimas!

Em 2005, o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário e a Associação Comercial de São Paulo criaram o “impostômetro” e instalaram um painel eletrônico no Pátio do Colégio, no centro da capital paulista. Segundo a Rede Brasil Atual, na semana passada o placar registrava R$ 313 bilhões em impostos pagos. “Se nós conseguirmos cobrar essas grandes empresas e pessoas físicas muito ricas, o governo poderia desonerar a classe média e os mais pobres. Seria o mais justo. Se todos pagassem o que devem, nós poderíamos corrigir a tabela do Imposto de Renda e reduzir alíquotas sobre alimentos e produtos de primeira necessidade, que todo mundo usa”, conclui Camargo Neto, desmascarando os ricaços sonegadores – verdadeiros impostores!

TRÁFICO HUMANO

Dom Demétrio Valentini do site Adital

O tema da Campanha da Fraternidade deste ano de 2014 começa nos intrigando. Pois parece acenar para um assunto que não faria parte de nossa realidade. Ao falar de "tráfico humano”, num primeiro momento a expressão pareceria exagerada, dado que o regime de escravidão já foi banido em todos os países, ao menos oficialmente.

Acontece que esta é uma realidade tão disfarçada, que facilmente é encoberta, e passa despercebida, valendo-se de expedientes muito sofisticados, que produzem situações de verdadeiro comércio de pessoas, altamente lucrativo e à custa do regime de verdadeira escravidão, em que muitas pessoas se vêem envolvidas.

Por isto, desta vez, a Campanha sugere que, primeiro, nos demos conta da verdadeira dimensão da realidade que deve ser denunciada como um verdadeiro "tráfico de pessoas humanas”, que acontece em nosso tempo, fruto dos diversos tipos de exploração a que são submetidas milhões de pessoas.

Desta vez a Campanha começa nos alertando a sermos mais perspicazes, para perceber as tramas em que muitas pessoas se vêem enredadas, e delas não conseguem mais se desvencilhar.

A primeira tarefa, portanto, é conferir a realidade, ajudados pelas estatísticas que a própria ONU nos apresenta. Mesmo sabendo como é difícil obter dados precisos a respeito de uma realidade que costuma ser acobertada, os dados são mais do que suficientes para flagrar a gravidade da situação.

Vale a pena deter-nos, num primeiro momento, a olhar os fatos. Segundo cálculos feitos a partir de constatações comprovadas, o tráfico de pessoas humanas rende, anualmente, trinta e dois bilhões de dólares.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho vinte milhões de pessoas são vítimas de trabalho forçado. Destas, 4,5 milhões (22%) são exploradas em atividades sexuais forçadas; 14,2 milhões (68%), em trabalhos forçados em diversas atividades econômicas; 2,2 milhões (10%) pelo próprio Estado, sobretudo os militarizados.

Segundo a mesma pesquisa, 11,4 milhões (55%) são mulheres e jovens; 9,5 milhões (45%), homens e jovens. Em relação à idade: 15,4 milhões (74%) são adultos; os outros 5,5 milhões (26%) têm até 17 anos, o que mostra ser alto o número de traficados entre crianças e jovens.

As vítimas do tráfico humano são presas fáceis dos que se aproveitam de situações de vulnerabilidade na luta pela sobrevivência. Os aliciadores iludem pessoas com promessas de emprego garantido, alta remuneração, documentação assegurada, entrada para o mundo dos modelos de grandes marcas ou para o mundo dos artistas de muitas áreas, especialmente a dança.

Aparentemente, nada que se pareça com tráfico. Por isso, as pessoas enredadas não querem falar, por constrangimento de reconhecer que foram ludibriadas, por vergonha de contar o que estão passando. É um crime invisível e silencioso, que descobriu na fraqueza humana o jeito de se disfarçar, para encobrir os seus procedimentos.

Como o cego de Jericó, sentado à beira do caminho, também pedimos: "Senhor, que eu veja!”. Esta Campanha tem ainda outras realidades a nos mostrar!

sexta-feira, 7 de março de 2014

A revolução bolivariana na Venezuela e os princípios da via chilena ao socialismo de Allende

A partir de uma coalizão dos partidos de esquerda e centro, em 1970 Salvador Allende foi eleito presidente do Chile. Allende contava com grande apoio dos trabalhadores urbanos e camponeses e desde os primeiros momentos pretendia construir uma sociedade socialista centrada nos princípios da liberdade, do pluralismo e da democracia. Essa proposta foi chamada de “via chilena ao socialismo”.

O governo Allende estava comprometido com o processo de nacionalização da economia, reforma agrária e elevação do nível de vida dos trabalhadores. Nesse sentido, apostou nas reformas estruturais que visavam fortalecer as massas trabalhadoras e ao mesmo tempo destruir o predomínio econômico e imperialista, abrindo caminho para a construção de uma sociedade socialista. Allende nacionalizou as riquezas do subsolo, com destaque para o cobre, principal riqueza mineral do Chile, decisão que gerou forte reação das elites chilenas com apoio do imperialismo estadunidense. As elites organizaram a greves dos caminhões que provocou desabastecimento em todo país.

A derrota eleitoral das elites em 1973 fortaleceu a política de Allende em aprofundar as reformas, entretanto, a reação conservadora das elites provocou levantes militares, atentados terroristas, greves em todo país. Esse cenário político teve total apoio dos Estados Unidos que resultou no golpe de Setembro de 1973, que derrubou o governo popular. O golpe foi seguido dos confrontos nas ruas com massacre nos bairros operários e fábricas ocupadas responsável por cerca de 10 mil mortos e milhares de prisões. O ataque ao Palácio de La Moneda, onde Allende resistiu, acabou com seu assassinado e completou a vitória da extrema direita e da CIA sobre as forças populares chilenas.

O projeto socialista empreendido pelo governo Allende de Unidade Popular é um tema que até hoje divide grande parte do país, principalmente daqueles que viveram essa experiência pioneira. Entre as ações adotadas podemos destacar: a entrega de meio litro de leite diário para todas as crianças; a instalação de consultórios materno-infantil em todos os bairros; Medicina gratuita nos hospitais públicos com entrega gratuita de medicamentos; supressão dos altos salários dos funcionários de confiança; aprofundamento da Reforma Agrária; bolsas para os estudantes do ensino básico, médio e universitário; criação de um sistema de previdência universal solidário com fundos estatais; criação do Ministério de proteção da família.

Além de nacionalizar as riquezas do subsolo, Allende implementou um cronograma para execução das reformas, rumo a construção do socialismo. No cronograma estava a expropriação das fábricas e das fazendas improdutivas. Esse processo tinha que ser realizado de forma gradual, controlada e planejada, juntamente com a expropriação dos bancos e das empresas de capital estrangeiro.

O projeto da via chilena ao socialismo implementado por Allende foi uma experiência inédita que não existiu em nenhum lugar que podia dar indícios do caminho a ser percorrido de uma transição pacífica, institucional e democrática para o socialismo. Durante todo governo, diante os conflitos seu governo procurou encontrar as saídas e os consensos que lhe permitissem seguir impulsionando seu programa sobre bases democráticas.

Na Venezuela desde 1999 está em curso o que podemos chamar da via venezuelana ao socialismo, chamada por Hugo Chaves como Revolução Bolivariana. Nesse período são inegáveis os avanços conquistados e impulsionados pela receita petroleira que foi nacionalizada e utilizada para promover as reformas, melhorar os serviços públicos e distribuir riqueza para população mais pobre. Essas riquezas, antes estavam sobre controle das elites e do capital internacional.

A nacionalização da empresa de petróleo PDVSA, em 2003, permitiu que a Venezuela recuperasse sua soberania energética. O país ainda criou a Petrocaribe, em 2005, permitindo que 18 países da América Latina e do Caribe adquirissem petróleo subsidiado com preço de 40% a 60% menor que o mercado, assegurando seu abastecimento energético e beneficiando em torno de 90 milhões de pessoas.

Outros setores foram nacionalizados como: setor elétrico e de telecomunicação (CANTV e Eletricidade de Caracas) que permitiram pôr fim a situações de monopólio e universalizar o acesso a esses serviços. Pela primeira vez em sua história, a Venezuela dispõe de seus próprios satélites (Bolívar e Miranda). O país é agora soberano no campo da tecnologia espacial. Há internet e telecomunicações em todo o território.

Atualmente, a Venezuela apresenta a sociedade com melhor repartição de renda da América do Sul, de acordo com o índice Gini, além do maior salário mínimo regional, atestado pela Organização Mundial do Trabalho. Registra, na última década, o mais acelerado padrão de crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do subcontinente, segundo relatório das Nações Unidas. Foi declarada território livre de analfabetismo pela Unesco, em 2006, resultados da universalização de direitos sociais, sob o comando do Estado, em um processo financiado pela progressiva nacionalização dos recursos minerais, especialmente do petróleo.

Segundo site Opera Mundi, o número de crianças na escola passou de 6 milhões em 1998 para 13 milhões em 2011. A taxa de escolarização no ensino fundamental é de 93,2%, já no ensino médio a taxa de escolarização é de 73,3%. O Estado venezuelano vem investindo na criação de novas universidades, ampliando o acesso ao ensino superior para a juventude. A taxa de mortalidade infantil passou de 19,1 a cada mil, em 1999, para 10 a cada mil em 2012. De 1999 a 2011, a taxa de pobreza passou de 42,8% para 26,5%, e a taxa de extrema pobreza passou de 16,6% em 1999 para 7%. A taxa de desnutrição infantil reduziu 40% desde 1999. Em 2012 95% da população tinha acesso a água potável. Desde 1999 foram construídas 700 mil moradias na Venezuela e o governo entregou mais de um milhão de hectares de terras aos povos originários do país. A taxa de desnutrição passou de 21% em 1998 para menos de 3% em 2012. Segundo a FAO, a Venezuela é o país da América Latina e do Caribe mais avançado na erradicação da fome.

Desde 1999, foram criadas mais de 50.000 cooperativas em todos os setores da economia. A taxa de desemprego passou de 15,2% em 1998 para 6,4% em 2012, com a criação de mais de 4 milhões de postos de trabalho. O salário mínimo passou de 100 bolívares (16 dólares) em 1998 para 2.047,52 bolívares (330 dólares) em 2012, ou seja, um aumento de mais de 2.000%. Trata-se do salário mínimo mais elevado da América Latina. As mulheres desprotegidas, assim como as pessoas incapazes, recebem uma ajuda equivalente a 70% do salário mínimo. A jornada de trabalho foi reduzida para 6 horas diárias e a 36 horas semanais sem diminuição do salário.

É preciso registrar que Hugo Chaves foi um estudioso da experiência chilena de Salvador Allende e sempre afirmou que não se pode fazer reformas estruturais com as velhas instituições forjadas pelas elites. Para Chaves, somente com apoio popular seria possível à ruptura com o sistema político e econômico imposto na Venezuela pelas elites e o imperialismo estadunidense.

Amparado numa maioria parlamentar identificada com as reformas para construção da Revolução Bolivariana, Chaves iniciou sua batalha através da convocação de uma Assembleia Constituinte que refundasse o Estado, dotando-o de mecanismos democráticos que ampliassem a participação popular, reduzindo a influência dos antigos grupos que dominavam o país até então. A nova constituição instituiu mecanismos plebiscitários, de caráter impositivo, que poderiam ser convocados tanto pelo parlamento e o governo quanto por iniciativa de cidadãos.

A Constituição também adotou a possibilidade de referendos revogatórios de todos os mandatos, inclusive o presidencial, desde que subscrito por ao menos 20% dos eleitores. O próprio Chávez enfrentou votação de referendo para revogação de seu mandato em 2004 e foi mantido no poder com ampla maioria, entretanto, muitos governadores, prefeitos e deputados não foram referendados pelo povo e foram afastados.

Chávez recorreu às urnas, através de eleições ou consultas, para cada um de seus passos estratégicos a fim de implementar das reformas estruturais. Foram 16 (dezesseis) processos eleitorais gerais desde 1998, sempre com a presença de observadores internacionais das mais distintas correntes. O ex-presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, chegou a citar o sistema eleitoral venezuelano como “o mais aperfeiçoado do mundo”.

Nos últimos anos, o governo implementou políticas que reduz o poder dos grandes empresários com a criação do desenvolvimento local, chamado de poder comunal. Trata-se de pequenas áreas geográficas, distritos ou bairros, que funcionam como instituições políticas, mas também podem organizar seus próprios serviços públicos, constituir empresas para diferentes atividades e receber financiamento direto do governo nacional. Buscou-se, assim, horizontalizar o Estado e esvaziar a burocracia estatal ainda controlada ou corrompida pelas elites.

Esse processo levou a uma profunda politização da sociedade que passou a defender o governo. O próprio Partido Socialista Unificado da Venezuela, principal agremiação governista, nasce desse ambiente incentivado pela radicalização democrática. Podemos considerar que o legado de Hugo Chávez foi a radicalização da democracia. É diante desse cenário de fortalecimento da democracia no país que se inicia no país uma forte reação das elites com apoio dos Estados Unidos e seus meios de comunicações.

A reação das elites diante da via venezuelana ao socialismo vem se fortalecendo com apoio do imperialismo estadunidense e dos grupos neonazistas dos países centrais. Esses grupos já conseguiram destituir o presidente eleito da Ucrânia Viktor Yanukovich, eleito democraticamente, e estão tentando fazer o mesmo na Venezuela para barrar a continuidade da Revolução Bolivariana. O papel da esquerda latino-americana nesse momento é unir forças contra um possível novo golpe que está em curso na Venezuela com apoio direto dos Estados Unidos como aconteceu na Ucrânia.

Com informações do site Opera mundi

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Mujica Presidente do Uruguai, teórico da transição pós-capitalista?

Por Antonio Martins, no Outras Palavras

Cada vez mais popular tanto nas redes sociais como na mídia tradicional, o presidente do Uruguai, Pepe Mujica, arrisca-se a sofrer um processo de diluição de imagem semelhante ao que atingiu Nelson Mandela. Aos poucos, cultua-se o mito, esvaziado de sentidos — e se esquecem suas ideias e batalhas. Por isso, vale ler o diálogo que Pepe manteve, no final do ano passado, com o jornalista catalão Antoni Traveria. Publicada no site argentino El Puercoespín, a entrevista revela um presidente que vai muito além do simpático bonachão que despreza cerimônias e luxos.

Mujica, que viveu a luta armada e compartilhou os projetos da esquerda leninista, parece um crítico arguto das experiências socialistas do século XX. Coloca em xeque, em especial, uma crença trágica que marcou a União Soviética e os países que nela se inspiraram: a ideia de que o essencial, para construir uma nova sociedade, era alterar as bases materiais da produção de riquezas. ”Não se constrói socialismo com pedreiros, capatazes e mestres de obra capitalistas”, ironiza o presidente. Não se trata de uma constatação lastimosa sobre o passado ou de um desalento. Mujica mantém-se convicto de que o sistema em que estamos mergulhados precisa e pode ser superado. Mas será um processo lento, como toda a mudança de mentalidades, e precisa priorizar o choque de valores: tornar cada vez mais clara a mediocridade da vida burguesa e apontar modos alternativos de convívio e produção. Leia a seguir, alguns dos trechos centrais da entrevista:

“A batalha agora é muito mais longa. As mudanças materiais, as relações de propriedade, nem sequer são o mais importante. O fundamental são as mudanças culturais e estas transformações exigem muitíssimo tempo. Mesmo nós, que não podemos aceitar filosoficamente o capitalismo, estamos cercados de capitalismo em todos os usos e costumes de nossas vidas, de nossas sociedades. Ninguém escapa à densa malha do mercado, a sua tirania. Estamos em luta pela igualdade e para amortecer por todos os meios as vergonhas sociais. Temos que aplicar políticas fiscais que ajudem a repartir — ainda que seja uma parte do excedente — em favor dos desfavorecidos. Os setores proprietários dizem que não se deve dar o peixe, mas ensinar as pessoas a pescar; mas quando destroçamos seu barco, roubamos sua vara e tiramos seus anzóis, é preciso começar dando-lhes o peixe”.

“A vida é muito bela e é preciso procurar fazer as coisas enquanto a sociedade real funciona, ainda que seja capitalista. Tenho que cobrar impostos para mitigar as enormes dificuldades sociais; ao mesmo tempo, não posso cair no conformismo crônico de pensar que reformando o capitalismo vou a algum lado. Não podemos substituir as forças produtivas da noite para o dia, nem em dez anos. São processos que precisam de coparticipação e inteligência. Ao mesmo tempo em que lutamos para transformar o futuro, é preciso fazer funcionar o velho, porque as pessoas têm de viver. É uma equação difícil. O desafio é bravo. Há quem siga com o mesmo que dizíamos nos anos 1950. Não se deram conta do que ocorreu no mundo e por quê ocorreu. Sinto como minhas as derrotas do movimento socialista. Me ensinam o que não devo fazer. Mas isso não significa que vá engolir a pastilha do capitalismo, nesta altura de minha vida”.

“Não sei se vão me dar bola, mas digo aos jovens de hoje que aprendemos mais com o fracasso e a dor que com a bonança. Na vida pessoal e na coletiva pode-se cair uma, duas, muitas vezes, mas a questão é voltar a começar. E é preciso criar mundos de felicidade com poucas coisas, com sobriedade. Refiro-me a viver com bagagem leve, a não viver escravizado pela renovação consumista permanente que é uma febre e obriga a trabalhar, trabalhar e trabalhar para pagar contas que nunca terminam. Não se trata de uma apologia da pobreza, mas de um elogio à sobriedade — não quero usar a palavra austeridade, porque na Europa está sendo muito prostituída, quando se deixa as pessoas sem trabalho em nome do ‘austero’”.

“Em toda a história do Uruguai, o presidente repartia as licenças de rádio e TV com o dedo. Tivemos a ideia de abrir consultas e processos democráticos baseados em méritos. Pensamos e realizamos! O que certa imprensa diga não me preocupa. Já os conheço. O problema que o diário [uruguaio] El País pode me criticar e se, algum dia, estiver de acordo e me elogiar. Seria sinal de que ando mal.