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domingo, 22 de março de 2015

Os reais motivos do inconformismo da elite reacionária

José Augusto Valente, 20/03/2015

Publicado no site Carta Maior: www.cartamaior.com.br

A elite se consolida alicerçada em práticas de corrupção. Por isso o fim do financiamento privado de campanha não é uma pauta de seus protestos.

Observando as manifestações de sexta-feira – convocadas pela CUT e movimentos sociais – e de domingo – convocadas pelo Movimento Brasil Livre e pelo Vem pra Rua – fica claro o acirramento da divisão existente na sociedade brasileira. Embora saiba que a realidade é complexa, para fins de análise, considerarei apenas os aspectos mais relevantes.

De um lado, os pobres e parte da classe média progressista fazendo pressão para que o governo Dilma avance para a esquerda, ou seja, para que amplie e aprofunde as reformas sociais e políticas. Do outro lado, os ricos e parte da classe média conservadora, desejando o retorno à direita, com tudo o que isso significa.

Na minha opinião, engana-se quem pensa que estes últimos querem apenas tirar a Dilma da presidência. O que eles querem mesmo é um país socialmente desigual, machista, racista, homofóbico e alinhado com os EUA. É preciso atentar que os avanços conseguidos pelos governos Lula e Dilma nestes aspectos, incluindo os avanços dos BRICS, estão construindo uma nova realidade insuportável para a elite e para a parte da classe média que se julga elite. Isso é notório nas redes sociais: quem frequenta, sabe do que estou falando.

No entanto, a elite propriamente dita quer sim o impeachment da Dilma, porque estão muito seguros de que seu governo contraria e continuará contrariando os seus interesses. Ao contrário do que alguns afirmam, penso que ela não acha que tanto faz ter a Dilma ou o Michel Temer no comando do executivo federal.

Com todo o respeito ao vice-presidente, e à parcela progressista do PMDB (Requião, Pezão, Eduardo Braga, entre outros), a elite econômica acha que num governo presidido por Temer, pressionado pelo grupo do deputado Eduardo Cunha, conseguirá mudanças que garantam seus interesses e a estratégica preservação do status-quo na área de Comunicação. Acredita que conseguirá, sem dificuldade, implantar o regime de concessão na exploração do pré-sal. Que conseguirá acabar ou reduzir bastante a política de conteúdo local, no âmbito da Petrobras, entre outras questões relevantes.

Em síntese, essa elite pensa que conseguirá voltar a ser o foco do direcionamento das políticas do governo federal, em todas as áreas. Como no período 1500-2002!

Já a classe média conservadora, com muita ou pouca renda, diz temer o “comunismo” que os governos do PT estão implantando (sic). Para conseguir o apoio destes, as elites construíram um modelo ideológico, que lhes garante a necessária adesão, votos e manifestações. A insuficiente politização dos governos do PT e do próprio partido contribui para deixar parte da população à mercê dessa “lavagem cerebral” anti-PT.


O que essas pessoas entendem por “comunismo do PT”?

- Garantia do direito à moradia digna para os pobres, aumento de renda para a classe média e renda mínima para os miseráveis. Garantia de sistema de saúde, de educação e de assistência social público e universal. Baixo nível de desemprego. Além desses, programas como Mais Médicos, Brasil Sorridente, UPAs, Escolas Técnicas e Universidades públicas são considerados, por essa classe média, um desperdício de recursos.

- Redução das desigualdades sociais. Para essa parcela, bolsa de estudos para os seus filhos estudarem fora do país é algo desejável. Já Prouni, FIES e cota para negros é uma excrecência a ser abolida. Para ela, pobre se quiser subir na vida tem que estudar e trabalhar bastante. Como se as condições históricas econômicas, sociais e culturais fossem minimamente favoráveis a isso. O ponto alto da raiva dessa classe média contra o PT é o fato de Lula, um operário, analfabeto (segundo ela), ter se tornado presidente do Brasil, se reeleger e, ainda por cima, ter garantido a sucessão para a Dilma. Mas o pior de tudo, para ela, talvez seja a possibilidade de Lula voltar à presidência em 2018!

- Criminalização do racismo e política de cotas. Onde já se viu garantir aos afrodescendentes os mesmos direitos dos brancos? Para elas, negros só podem ascender por mérito, e olha lá!, como se as condições históricas fossem permeáveis a isso.

- Criminalização rigorosa do machismo e políticas de emancipação e autonomia das mulheres. Aqui também essa parcela da classe média entende que é um direito histórico dos homens poder agredir esposa, namorada, filha, irmã ou colegas de trabalho. Sempre foi assim! Porque agora tem que ser diferente? Não é à toa que o termo mais utilizado para se referir à Dilma é “VACA”! Além do mais, que história é essa de Lei Maria da Penha, para punir os machões? Autonomia econômica? Uma ova! “Lugar de mulher é na cozinha”.

- Criminalização rigorosa da homofobia e políticas públicas para a parcela LGBT da sociedade brasileira. A recente punição da Justiça ao ex-candidato Levy Fidélix, por declarações homofóbicas, são inaceitáveis para os conservadores. Um governo que defende esses direitos tem mais é que cair, pensam eles!

- Interferência na ordem econômica e na geopolítica mundial, com a consolidação dos BRICS, o que significa alinhamento com China, Russia, India e África do Sul, bem com o recém criado fundo próprio para desenvolvimento destes países, similar ao FMI. Esse movimento diminui a dependência em relação aos EUA, sendo considerado por eles uma afronta a nossos irmãos do Norte. Fingem não ver que esse movimento foi tão bem sucedido que até a Alemanha está interessada em fazer parte disso!

Finalmente, ouso dizer que a corrupção, para o movimento anti-Dilma, nunca foi e jamais será um problema real. Mas essa bandeira é levantada porque “não pega bem” lutar pela volta da desigualdade social, do machismo, do racismo, da intolerância aos LGBT e da dependência aos EUA. Ao contrário, bradar contra a corrupção - de preferência do PT, é claro! - garante uma boa imagem aos manifestantes.

A elite econômica e boa parte da classe média conservadora se consolida e cresce alicerçada em práticas de corrupção. São elas o poder corruptor, sem o qual não existiriam corruptos. No que depender delas, o financiamento de empresas privadas às campanhas eleitorais continuará vigindo.

Dito tudo isso, fica a triste constatação de que quanto mais os governos de esquerda fazem avançar uma pauta progressista, socialista, mais irrita os defensores do status-quo de antes de 2003. Essa tensão, portanto, tende a aumentar, porque temos governos progressistas e de esquerda, não só no âmbito federal, mas em estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e em cidades importantes como São Paulo.

Não resta a esses governos alternativa ao avanço das políticas econômicas e sociais. Mas para isso ser viável, há que aumentar sensivelmente a participação social, em espaços atrativos para a parcela progressista da sociedade. Há missão também para os movimentos sociais e para os partidos de esquerda. Mas me restringirei aos governos.

Atualmente, a correlação de forças nos é desfavorável e ela não será alterada somente com ações e comunicação eficazes. É fundamental termos um processo de tomada de decisão e controle social que garanta o necessário empoderamento da sociedade na defesa de um governo de esquerda. Quanto mais conscientes dos porquês das decisões, maior dificuldade terá a direita para a sua lavagem cerebral.

Quem nunca vivenciou um processo eficaz de participação social na gestão talvez tenha dificuldade de entender o que estou dizendo. Por isso, pretendo fundamentar essa tese em artigos futuros, com maior nível de detalhamento e de exemplos bem sucedidos.

domingo, 15 de março de 2015

Itabaiana: as ilegalidades na privatização dos serviços de água e esgoto e os prejuízos para população

O início dos trabalhos legislativos na Câmara de Vereadores de Itabaiana no ano de 2015 foi marcado com a aprovação do projeto de lei que autoriza a prefeitura a estabelecer PPP-Parceria Público-Privada com empresas contratadas para gerir e explorar o sistema de abastecimento de agua e esgoto do município.

O projeto de autoria do prefeito Valmir dos Santos Costa (PR) tramitou em regime de urgência e foi aprovado passando por cima de uma série de regras estabelecidas na legislação nacional. Segundo o site NeNotícias, “nos bastidores, o que se argumenta é que o prefeito, sabendo da intenção do governo do Estado em estabelecer uma PPP entre a Companhia de Saneamento de Sergipe – DESO e empresas especializadas, quer se antecipar e assumir a negociação em relação ao município de Itabaiana”.

Entretanto, mesmo com a lei aprovada, compreendemos que deve ser contestada, pois está cheia de ilegalidades, demonstrando que a Prefeitura de Itabaiana não se preocupou em cumprir os ritos legais.

A Prefeitura, junto com a Câmara de Vereadores, não respeitaram a lei 11.445 de 2007 que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Por essa lei, para realização de contratos de prestação de serviços de água e esgotamento deve ter ampla participação da sociedade, através de audiências e consultas públicas para elaboração do plano de saneamento básico. Pelo que sabemos esse plano não existe, nem a população foi convidada para participar da elaboração do mesmo.

Depois da aprovação do plano de saneamento os gestores deverão, novamente, convidar a população para discussão do plano de investimentos compatível com o plano de saneamento, discussão de metas progressivas e graduais de expansão dos serviços, definição da possibilidade de retomada do serviço pela administração pública e deliberação sobre o sistema de cobrança das taxas e tarifas sobre os serviços prestados à população.

Entretanto, mesmo diante das obrigações legais que os gestores itabaianenses deveriam tomar, não houve qualquer preocupação em respeitar a legislação vigente. Preocupa-se o discurso que esses contratos serão benéficos para população, pois como determina a lei 11.445 com a realização desses contratos quem se beneficia serão as empresas e não a população. Caso o contrato seja realizado sem um amplo debate sobre valores das tarifas que serão pagas e os planos de investimentos e ampliação dos serviços, será a população quem sofrerá as consequências.

Nos municípios que já foi realizado as PPP-Parceria Público-Privada, podemos observar que a população passou a pagar tarifas mais elevadas, uma vez que as empresas contratadas visam o lucro para seus acionistas e não há investimentos nas localidades que não existe possibilidade de lucros. Além disso, o município de Itabaiana será obrigado a investir na ampliação dos serviços de água e esgoto, juntamente com as empresas contratadas.

A lei 11.079 estabelece os critérios para o estabelecimento das PPP-Parcerias Público-Privadas. Por essa lei, existe a obrigação de repartição de responsabilidade nos investimentos, onde a administração pública poderá investir até 80% do valor das obras, enquanto as empresas realizam apenas 20% dos investimentos, mas ficam com os lucros na cobrança das tarifas, ou seja, um negócio excelente para as empresas, ou não?

Atualmente, quem realiza os investimentos na ampliação dos serviços de água e esgoto em Itabaiana é a DESO, administrada pelo Governo do Estado que tem mais recursos que a prefeitura. Entretanto, com as Parcerias Público-Privadas entre a Prefeitura de Itabaiana e as empresas contratadas, quem passará a ter a obrigação de realizar os futuros investimentos serão os futuros gestores itabaianenses que deverão retirar recursos de outras áreas para fazer os investimentos previstos nos contratos.

Outro problema para a os gestores futuros e a população é a previsão de repartição dos prejuízos que, porventura seja alegado pelas empresas contratadas. Pela lei 11.079, os prejuízos deverão ser compartilhados pela administração pública. Assim, os acionistas das empresas ficam com os lucros, mas se for alegado prejuízos aí à administração pública terá que compensar diretamente ou aumentar, ainda mais, a tarifa para ser paga pela população. O problema dessa regra é que serão os empresários quem alegaram se houve lucros ou prejuízos.

A citada lei, aprovada pela Câmara de Vereadores de Itabaiana não respeitou, também, a decisão do STF-Supremo Tribunal Federal, ocorrida em 2013 que obriga a realização de consócio, agência reguladora e conselho integrado pelo Estado e municípios na prestação de serviços públicos que estão interligados. O sistema de abastecimento de água em Itabaiana está interligado com os municípios de Campo do Brito, Macambira, São Domingos e Areia Branca, além disso as barragens do Brito e Jacarecica II estão localizadas fora dos limites territoriais de Itabaiana de onde será retirado água para abastecer a população.

Pela decisão do STF, o município de Itabaiana sozinho não pode realizar licitação para empresas realizarem o abastecimento de água. Os contratos só teriam validades se forem realizados de forma conjugada com os demais municípios e com a criação do Plano de Saneamento básico aprovado por todas as Câmaras de Vereadores e, no caso do Estado, pela assembleia legislativa, depois da criação da agência reguladora que irá fiscalizar os serviços das empresas contratadas e da criação de um conselho intermunicipal para acompanhar e fiscalizar os serviços das empresas.

Podemos perceber que a lei aprovada pela Câmara de Vereadores de Itabaiana está cheia de ilegalidades. Podemos perceber, também, que a existência das PPP-Parcerias Público-Privada só beneficia os empresários que assumirão os serviços de água e esgoto sem qualquer risco. Já a população sofrerá com os aumentos de tarifas para garantir as metas de lucros das empresas. Um ótimo negócio para as empresas e um péssimo negócio para população.

Somente com reação forte da população itabaianense contra as PPP-Parcerias Público-Privadas que o prefeito de Itabaiana poderá rever essa decisão que terá sérias consequências futuras para todos. A hora é agora, pois “quem sabe faz a hora e não espera acontecer”.