Eduardo Sales de Lima, 19/01/2011
Fonte: Agência Brasil de Fato
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu pela permanência de Cesare Battisti no Brasil. Aconteceu no último dia de 2010. Entretanto, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Antônio Cezar Peluso, optou por negar, no dia 6 de janeiro, o pedido de soltura do refugiado político e escritor italiano, e criou uma crise institucional entre o Judiciário e o Executivo.
Isso porque, mesmo dentro da complexa lógica jurídica, a decisão de Lula deveria ter sido a derradeira. O jurista Dalmo de Abreu Dallari explicou de forma didática, em artigo, a configuração desse “erro” do presidente do STF. Segundo ele, a prisão de Battisti foi determinada com o caráter de preventiva, devendo perdurar até que o presidente da República desse a palavra final, concedendo ou negando a extradição. “Isso acaba de ocorrer, com a decisão de negar atendimento ao pedido de extradição. Em consequência, a prisão preventiva de Cesare Battisti perdeu o objeto, não havendo qualquer fundamento jurídico para que ele continue preso”, pondera.
O senador Eduardo Suplicy (PT/SP), que acompanha o caso de perto, reforça essa posição. “Não caberia a qualquer ministro do STF tomar uma decisão única que venha a contradizer o que o próprio plenário do Supremo assegurou”, critica.
Uma contradição que, segundo a defesa de Battisti, resvala nos alicerces da soberania nacional. Um dos advogados do italiano, Luis Eduardo Barroso, criticou com veemência a atitude de Peluso. Em nota, ele afirma que “a manifestação do Presidente do Supremo constitui uma espécie de golpe de Estado, disfunção da qual o país acreditava já ter se libertado”. E conclui que “não está em jogo o acerto ou desacerto político da decisão do Presidente da República, mas sua competência para praticá-la”. O que é, segundo Barroso, um “ato de soberania, praticado pela autoridade constitucionalmente competente, que está sendo descumprido”.
Outro integrante da defesa de Battisti, a advogada Renata Saraiva, em entrevista ao Brasil de Fato, confirma a posição da defesa do italiano, de que a decisão de Peluso afeta não somente o futuro do refugiado como o do próprio país onde ele se encontra e, desse modo, pode favorecer o “enfraquecimento da soberania do Brasil em relação ao resto do mundo”.
Com a decisão de Peluso, volta a preocupação de Battisti em relação à sua extradição. O integrante da Anistia Internacional e professor aposentado da Unicamp, Carlos Lungarzo, reforça isso. “Hoje [10] lançamos uma campanha, junto com alguns consultores parlamentares para obter o impeachment de Peluso. Não sabemos ainda quando assinaremos a petição. Se não fosse pela manipulação de Peluso, o STF teria rejeitado a extradição por 5 a 4, em vez de o oposto. Mas, além disso, Peluso é um perigo para a democracia, como disseram [Luis Eduardo] Barroso e Tarso [Genro, ex-ministro da Justiça, hoje governador do Rio Grande do Sul]. Não é um perigo teórico, mas real”, conclui.
Consenso
Mas se Peluso atacou a democracia, o consenso negativo tem sido construído em torno da imagem de Battisti. Condenado à revelia por quatro homicídios cometidos na década de 1970, o ex-militante do grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) fugiu da Itália ainda naquela época. Passou por México, França e ancorou no Brasil, em 2004, onde foi preso em 2007. Atualmente ele se encontra na penitenciária da Papuda, em Brasília.
O senador Eduardo Suplicy esteve na Papuda no dia 11 mas, antes de visitar o italiano, fez questão de pontuar os argumentos que reforçam, segundo ele, o acerto de Lula e reforçam a defesa do italiano. “Quando se compreende que o julgamento foi feito na sua ausência, que os documentos utilizados para a designação dos procuradores que o defenderam foram falseados, que não houve qualquer testemunha a não ser os que o acusaram utilizando da delação premiada para conseguir a própria liberdade; então, se compreenderá melhor a decisão do presidente Lula”, enumera.
Lula não foi “bonzinho”, apenas exerceu suas atribuições como presidente. Além de respeitar o que fora decidido em votação pelo próprio STF, observou o Tratado Brasil-Itália, assinado em Roma em outubro de 1989. De acordo com o documento, proíbe-se a extradição quando existem motivos que apontam para uma possível perseguição do requerido.
Este também deve permanecer no país de refúgio, segundo consta o Tratado, quando “tiver sido ou vier a ser” submetido a um processo sem direito de defesa. Justamente o que ocorreu com Battisti; ausente do julgamento que o condenou à prisão perpétua.
A extradição também violaria os direitos humanos do réu devido a condições de brutalidade das prisões italianas e a não garantiria de proteção ao réu contra perseguições. Em tempo. De acordo com Carlos Lungarzo, os carcereiros italianos pertencem a uma federação de sindicatos de alcance nacional que várias vezes declarou seu desejo de “acertar contas” com o escritor.
Por fim, Peluso determinou que todos os pedidos relativos ao processo fossem encaminhados para o relator Gilmar Mendes, que deverá levar o assunto ao plenário do Tribunal em 2 de fevereiro, data da primeira sessão do ano. Segundo a advogada do escritor italiano, Renata Saraiva, a defesa estuda o melhor procedimento a ser tomado dentro de um “momento próprio.”
Documentos falsos
A historiadora, arqueóloga e romancista francesa Fred Vargas, revelou que as procurações utilizadas pelos advogados italianos de Battisti, no processo de 1982 até 1990, no qual foi condenado a prisão perpétua, foram falsificadas.
Segundo o membro da Anistia Internacional e professor aposentado da Unicamp, Carlos Lungarzo, alguém usou uma antiga procuração verdadeira de Battisti (que ele tinha dado aos advogados em 1979), e a calcou sobre duas folhas em branco. O objetivo disto era fingir que Battisti tinha dado procuração aos advogados. “A falsificação das procurações fecharam todo caminho para que Battisti pudesse exigir um novo julgamento da Corte Europeia”, aponta Lungarzo.
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