Pesquisar este blog

segunda-feira, 12 de março de 2012

Mídia, Educação, Big Brother Brasil, estupro e violência


Roberto Silva dos Santos, Professor da Rede Estadual e da Rede Municipal de Aracaju Diretor do SINTESE e Secretário de Juventude da CUT/SE – Twitter @Roberto_Silva13

Ganhou repercussão internacional o caso do modelo Daniel, de 31 anos, acusado de abuso sexual contra a reality show Monique, do BBB 12. Daniel foi expulso da casa, onde acontece a competição, na segunda-feira à noite (16/01), entretanto o caso de abuso sexual aconteceu na noite de sábado para domingo. Chama atenção que no domingo a Rede Globo entendia que o ocorrido foram trocas de carícias. Na noite de domingo (14/01), a edição do programa mostrou rapidamente a imagem e Pedro Bial brincou: "O amor é lindo". As instituições de defesa dos direitos humanos se manifestaram contrárias à forma com a qual a Rede Globo tinha tratado do assunto até a noite de segunda-feira (15/01).

Os protestos nas redes sociais exigindo dos órgãos competentes atitude contra a Rede Globo que estava tratando o abuso sexual como troca de carícias chegou ao ponto que ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Iriny Lopes, encaminhou na tarde da segunda-feira um ofício ao Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro pedindo apuração contra o suposto abuso sexual no programa Big Brother Brasil (BBB12). Em nota, a Secretaria afirma que o ofício foi elaborado “com base em demandas encaminhadas por cidadãs de várias cidades brasileiras à Ouvidoria da SPM, pedindo providências”. Somente depois de toda mobilização é que a Rede Globo volta atrás e exclui o modelo do programa. A polícia Civil do Rio abriu inquérito para apurar o que aconteceu naquela madrugada.

O Big Brother é um reality show de programa televisivo baseado na vida real. O primeiro reality show foi à série An American Family, transmitida em doze partes em 1973 nos EUA. A série ficou famosa por lidar com divórcio em uma família, e ainda, pela revelação de que um dos filhos era homossexual. Em 1974 foi feito na Inglaterra um reality show chamado The Family ("A Família"). An American Family também inspirou, décadas depois, o programa da MTV The Real World, de 1991, exibido no Brasil com o nome “Na Real”. Ele foi um tremendo sucesso ao mostrar o cotidiano de jovens desconhecidos morando num mesmo apartamento. Mas nada se compara ao sucesso da fórmula do Big Brother, desenvolvido pela produtora holandesa Endemol e hoje exibido em 17 países. No Brasil o programa continua despertando a curiosidade do público. Ele fascina as pessoas porque, supostamente, oferece uma chance de participação, através do voto, no destino real dos competidores.

No Brasil, pode-se dizer que a "onda" de reality shows começou, basicamente, com o programa No Limite em 2000. Em 2001, foi criado o programa Casa dos Artistas, fenômeno notável de audiência do SBT. Em 2002, surgiu o maior expoente deste gênero no Brasil, o programa Big Brother Brasil, da TV Globo. Posteriormente em 2009, a TV Record lança A Fazenda, versão brasileira de The Farm (criado na Suécia pelo produtor Strix). O termo Reality show é conhecido por mostrar, de forma simulada, uma realidade. Em tais programas não há roteiros a serem seguidos e os participantes têm que resolver problemas ou apenas conviver com outros participantes.

A encenação do real conjugada com o apelo sexual, a baixaria e o individualismo assumem-se como principal bandeira do consumismo. Nesse cenário, a televisão passa a ser o palco da sua conjunção através de seu caráter e amplitude de difusão e influência da produção cultural torna-se um instrumento de criação da realidade. No mundo atual a produção cultural encontra-se coagidos pelas leis do mercado. Os realities shows foram pensados para colocar os cidadãos comuns, supostamente, dentro do programa. Eles sentam-se nas poltronas para intervir na eliminação dos participantes, situação que antes era reservada às estrelas. Portanto, são programas que envolvem pessoas que nunca teriam possibilidades de aparecer na televisão, dando ao público a possibilidade conviver com as emoções e completar os vazios da vida urbana.

Os realities shows são novelas da vida real em que os concorrentes encenam um papel, tornando atores com a intenção de se representarem a si próprios. Esse formato tem um viés ideológico fundante, na medida em que supervaloriza valores como: o individualismo, a paixão pelo “EU”, do prazer imediato, a realização pessoal, o respeito absoluto pela subjetividade individual de cada um. Isso significa que esses programas valorizam, estimulam e formam os sujeitos ideais para sobreviver na sociedade capitalista, ao mesmo tempo em que exalta valores como individualismo, o consumismo minimiza valores sociais como respeito ao próximo, solidariedade, convivência em sociedade. A mensagem que fica nesses programas é que a sobrevivência na sociedade atual (capitalista) precisa ver todos como inimigos e competitivos, ou seja, ninguém está preocupado com você.

Até mesmo os participantes desses programas são usados pela televisão e a produtora que ganham milhões com a venda comercial e hipervalorizam o consumo como pretendem os patrocinadores. Assim, os participantes são inocentemente usados para fins comerciais e, de caminho, sem eles perceberem, retira-lhes a dignidade e quando não precisa mais deles descarta-os. Para atingir esses objetivos, a televisão e a produtora tentam dá aos telespectadores aquilo que eles querem ver. Para isso recorrem a “competidores” majoritariamente jovens, de ambos os sexos, que têm que dar provas comportamentais, submetendo-se a tarefas e provas muitas vezes humilhantes, mediante uma exibição constante do corpo desnudado frente às câmaras.

Os organizadores oferecem outro elemento muito forte na sociedade de consumo o estereótipo de beleza e juventude em que assentam nesses formatos de programas com grande exposição da nudez. Nessa perspectiva, as relações amorosas são incentivadas e o sexo premiado. Quando Pedro Bial afirma que “O amor é lindo” num caso de abuso sexual mostra bem um dos objetivos dos realities shows. Tanto que depois do caso de abuso sexual o Big Brother Brasil teve um crescimento de audiência. O movimento de direito humano à comunicação defende a retirada do programa do ar.

A edição do BBB de 2012 tem cinco patrocinadores - AmBev (Guaraná Antarctica), Fiat, Niely, Schincariol (Devassa) e Unilever (Omo) que, segundo informações da imprensa, desembolsaram R$ 20,6 milhões cada um para terem suas marcas no programa totalizando R$ 103 milhões. A discussão sobre limites éticos e legais na produção de conteúdo e patrocínio de programas é uma questão que a sociedade brasileira precisa discutir para entendermos os objetivos e a quem serve tais programações. Cabem às escolas estarem levando o debate como esses para sala de aula, pois a formação cidadão dos estudantes está sendo desfeita por essas programações. Debater o papel ideológico dos realities shows é crucial para entendermos a sociedade em que vivemos concentradora e excludente.

É fundamental também que a sociedade brasileira possa realizar o controle social dos meios de comunicações para que possamos ter efetiva participação cidadã na definição das programações que respeitem os direitos humanos do povo brasileiro. A definição dos limites éticos e legais dos conteúdos exibidos é necessária para que possamos ser respeitados. Em nome no lucro não se pode desrespeitar o povo. Nesse sentido, a responsabilização editorial sobre os conteúdos transmitidos é crucial para que possamos ver programações que respeitem os telespectadores.

*Texto publicado na revista Paulo Freire de Fevereiro de 2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário