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segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

⁠⁠⁠Diversidade religiosa e visibilidade trans: questões de democracia

Por: Lídia Anjos e Paulo Victor Melo*

O mês de janeiro nos apresenta duas datas fundamentais para a garantia de uma sociedade democrática: o Dia Nacional de combate à intolerância religiosa, celebrado no dia 21, e o Dia Nacional da Visibilidade Trans, no dia 29.

Ainda que, à primeira vista, o combate à intolerância religiosa e a visilibade trans pareçam questões isoladas, a compreensão ampliada e crítica sobre direitos humanos evidencia que elas têm relação direta entre si e são partes de um objetivo maior: o respeito à diversidade.

E não adianta “fecharmos os olhos” ou “virarmos o rosto” como se estes fossem assuntos “dos outros”, afinal os dados estão aí para escancarar o quanto ainda não conseguimos lidar com as diferenças.

Vejamos. No que diz respeito à questão religiosa, o Disque 100 (serviço de denúncias de violações de Direitos Humanos do Governo Federal) já registrou mais de 700 casos de intolerância e discriminação contra religiões, especialmente as de matriz africana, como candomblé e umbanda. Em 2011, quando o Disque 100 passou a receber denúncias desse tipo, foram 15 registros; em 2012, foram 109; em 2013, 231; 149, em 2014; e 252, em 2015.

Se os dados oficiais já demonstram o crescimento da intolerância, importa ressaltar que a situação é ainda mais grave, já que muitos casos não são denunciados. Uma pesquisa realizada pela PUC-Rio, que ouviu lideranças de 847 terreiros, revelou que dentre 430 relatos de intolerância apenas 160 foram legalizados com notificação. E as manifestações são as mais diversas: agressões verbais, postagens em redes sociais, invasões de terreiros, quebra de símbolos sagrados, agressões físicas, etc., o que evidencia que há ainda um longo caminho para a garantia do estabelecido na Constituição Federal de 1988: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

No tocante à população trans, os dados são ainda mais alarmantes. Segundo pesquisa da organização não-governamental Transgender Europe (TGEU), o Brasil é o pais que mais mata travestis e transexuais em todo o mundo, com mais de 800 assassinatos entre 2008 e 2016. Não bastasse o alto índice estatístico, as formas dessas mortes revelam verdadeiros sinais de machismo e ódio exacerbado contra a imagem do ser feminino: em quase todos os casos, os corpos são expostos em lugares públicos, estão nuas, mutiladas, torturadas como ritos que propagam a mensagem de que ninguém ouse abdicar do ser superior masculino para um ser feminino inferior, que não “nasce inferior’, mas “torna-se inferior”.

Fundamental lembrar também que os assassinatos são a última – e mais odiosa – expressão da violência que travestis e transexuais sofrem em nosso país, porém há uma série de outros tipos de violência do cotidiano, praticadas individual ou coletivamente. São preconceitos e opressões vivenciadas na família, na escola, nos espaços de sociabilidade, em estabelecimentos comerciais, nas redes sociais e no mundo do trabalho. Sobre esse último aspecto, estimativas da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) apontam menos de 10% da população trans no Brasil têm empregos formais registrados. Por outro lado, pouco mais de 90% de toda a população de travestis e mulheres trans é profissional do sexo. Sãotrabalhadoras, prostitutas, negras, periféricas e suas mortes não representam “apenas mortes trans”. Refletem ataques à dignidade humana e à democracia, entendida como o necessário respeito às múltiplas formas de sociabilidade e convivência humana.

Como dito no início do artigo, o Dia Nacional de combate à intolerância religiosa e o Dia Nacional da Visibilidade Trans nos colocam de frente para o espelho e mostram que somos, sim, um país marcado pelo desrespeito à diversidade e pelo preconceito e opressão contra os diferentes. Mas não basta ficarmos imóveis em frente ao espelho. É preciso (e urgente) ações ações articuladas nas diversas áreas – educação, saúde, cultura, assistência social, meios de comunicação, mundo do trabalho – que promovam a construção de uma sociedade efetivamente plural e diversa. Sem isso, não há democracia real.

Lídia Anjos, assistente social e Diretora de Direitos Humanos da SEMASC Aracaju

Paulo Victor Melo, jornalista e Coordenador de Promoção da Equidade da SEMASC Aracaju

Artigo publicado originalmente no jornal Cinform, em 23 de janeiro de 2017.

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