Blog do Roberto
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quarta-feira, 24 de julho de 2024
Clima de Monções
As monções levam umidade do oceano para o continente no verão, provocando chuvas intensas. No inverno, os ventos secos sopram do continente para o oceano, causando estiagem. As monções são ventos que alteram a direção periodicamente e provocam chuvas intensas no verão e tempo seco no inverno.
Monções são um fenômeno atmosférico caracterizado pela alteração sazonal na direção dos ventos que sopram em determinada localidade. Essa mudança de direção é causada pelo gradiente térmico e de pressão formado entre o continente e a superfície dos oceanos durante o inverno e durante o verão.
No verão os ventos úmidos sopram do oceano para o continente, o que é chamado de monção de verão. No inverno, em contrapartida, ventos secos sopram do continente em direção ao oceano. Enquanto as monções de inverno causam secas e estiagem, as monções de verão tornam o tempo atmosférico instável e provocam chuvas intensas e volumosas.
O Sul e o Sudeste Asiático são as duas principais áreas do planeta em que se registra o clima de monções, regido pelo referido sistema de ventos. Em função disso, atividades econômicas desenvolvidas nessas regiões, como a agricultura, dependem diretamente da dinâmica dos ventos de monções.
terça-feira, 26 de março de 2019
Governo deve parar de remunerar caixa dos bancos em vez de atacar Previdência
Fonte: Rede Brasil Atual – 25/03/2019
Em 10 anos, R$ 754 bilhões saíram do orçamento federal para remunerar a sobra de caixa dos bancos. Se corrigirmos esse valor, estará aí o trilhão que o Guedes quer', diz analista. Segundo Fattorelli, a política monetária do Banco Central é que tem levado o país para o imobilismo. Em vez de buscar R$ 1 trilhão de economia na arrecadação para lançar o sistema de capitalização das aposentadorias, como quer o ministro da Economia, Paulo Guedes, por meio da reforma da Previdência, o governo federal deveria parar de remunerar as sobras de caixa dos bancos, adotando uma nova postura no Banco Central. Foi o que defendeu a analista da dívida pública Maria Lúcia Fattorelli, durante ato de lançamento da Frente Parlamentar Mista da Previdência Social, na última sexta-feira (22), no Senado.
Maria Lúcia sustentou que não existe crise financeira no país, e as agruras que os brasileiros estão vivendo, com falta de emprego e aumento da miséria, são resultados da política monetária do BC. “Não tem razão teórica, econômica, histórica para essa crise”, afirmou a economista da Auditoria Cidadã da Dívida.
“A desculpa para o desmonte que estamos assistindo no Brasil é que nós estamos em uma crise. Que crise? Nós não tivemos aqui no Brasil quebra de safra, pelo contrário, tivemos recorde de safra. Não tivemos quebra de sistema financeiro, pelo contrário, tivemos o sistema financeiro batendo recordes. Não tivemos adoecimento da população, pelo contrário, nossa população é ávida para trabalhar”, acrescentou.
Segundo ela, a política monetária do Banco Central é que tem levado o país para o imobilismo. “Hoje nós temos quase R$ 1,3 trilhão no caixa do Tesouro Nacional, no caixa único decorrente de emissão exagerada de títulos, o que gera despesa de juros, e também decorrente de excesso de arrecadação, que o dinheiro não pode ser gasto por causa da PEC do Teto”, disse, referindo-se à Emenda Constitucional 95, de teto dos gastos públicos.
Sobra de caixa
“Nós temos também R$ 1,2 trilhão no caixa do Banco Central, remunerando a sobra de caixa dos bancos. É dinheiro que os bancos não conseguem emprestar, porque querem juros altos demais, e não tem empresas ou pessoas suficientes para acessar isso. E o Banco Central está aceitando o depósito dessa sobra de caixa e entrega títulos da dívida para o banco e remunera diariamente, criticou.
Segundo a economista, esse dinheiro está "esterilizado" no Banco Central. "E qual foi o custo disso?”, pergunta. “Nós pesquisamos os balanços do BC: em 10 anos, sem atualizar, pegando valores históricos, R$ 754 bilhões saíram do orçamento federal para remunerar a sobra de caixa dos bancos. Se corrigirmos esse valor, estará aí o trilhão que o Guedes quer”, disse. “Não precisa arrebentar com a Previdência. Basta parar de remunerar a sobra de caixa dos bancos. O pagamento de juros é mascarado de amortização, porque estamos pagando juros, e contabilizando como amortização. Isso é para mascarar a burla do artigo 167, inciso 3 da Constituição, então, que crise é essa?”
Um país que tem R$ 4 trilhões líquidos – R$ 1,3 trilhão no caixa único do Tesouro, R$ 1,2 trilhão no caixa do BC e R$ 1,5 trilhão em reservas – não precisaria permitir que houvesse fome e miséria, argumentou Maria Lúcia. “São R$ 4 trilhões líquidos, em dinheiro. Estamos como se estivéssemos dentro de uma caverna, do Platão. Estamos acreditando nas sombras, estamos acreditando que tem crise. Mas estamos em um dos países mais ricos do mundo. Nós temos de lutar e exigir que essa riqueza deste país se manifesta na vida de cada um, de cada uma”, defendeu. “É uma vergonha ter tantas pessoas miseráveis nesse país e ainda querem cortar o pouco que a Previdência dá. A reforma que nós precisamos é para melhorar os benefícios dos pobres, é para não deixar nenhum brasileiro, nenhuma brasileira jogada nas ruas, no campo e nas cidades como ainda existe.”
Em 10 anos, R$ 754 bilhões saíram do orçamento federal para remunerar a sobra de caixa dos bancos. Se corrigirmos esse valor, estará aí o trilhão que o Guedes quer', diz analista. Segundo Fattorelli, a política monetária do Banco Central é que tem levado o país para o imobilismo. Em vez de buscar R$ 1 trilhão de economia na arrecadação para lançar o sistema de capitalização das aposentadorias, como quer o ministro da Economia, Paulo Guedes, por meio da reforma da Previdência, o governo federal deveria parar de remunerar as sobras de caixa dos bancos, adotando uma nova postura no Banco Central. Foi o que defendeu a analista da dívida pública Maria Lúcia Fattorelli, durante ato de lançamento da Frente Parlamentar Mista da Previdência Social, na última sexta-feira (22), no Senado.
Maria Lúcia sustentou que não existe crise financeira no país, e as agruras que os brasileiros estão vivendo, com falta de emprego e aumento da miséria, são resultados da política monetária do BC. “Não tem razão teórica, econômica, histórica para essa crise”, afirmou a economista da Auditoria Cidadã da Dívida.
“A desculpa para o desmonte que estamos assistindo no Brasil é que nós estamos em uma crise. Que crise? Nós não tivemos aqui no Brasil quebra de safra, pelo contrário, tivemos recorde de safra. Não tivemos quebra de sistema financeiro, pelo contrário, tivemos o sistema financeiro batendo recordes. Não tivemos adoecimento da população, pelo contrário, nossa população é ávida para trabalhar”, acrescentou.
Segundo ela, a política monetária do Banco Central é que tem levado o país para o imobilismo. “Hoje nós temos quase R$ 1,3 trilhão no caixa do Tesouro Nacional, no caixa único decorrente de emissão exagerada de títulos, o que gera despesa de juros, e também decorrente de excesso de arrecadação, que o dinheiro não pode ser gasto por causa da PEC do Teto”, disse, referindo-se à Emenda Constitucional 95, de teto dos gastos públicos.
Sobra de caixa
“Nós temos também R$ 1,2 trilhão no caixa do Banco Central, remunerando a sobra de caixa dos bancos. É dinheiro que os bancos não conseguem emprestar, porque querem juros altos demais, e não tem empresas ou pessoas suficientes para acessar isso. E o Banco Central está aceitando o depósito dessa sobra de caixa e entrega títulos da dívida para o banco e remunera diariamente, criticou.
Segundo a economista, esse dinheiro está "esterilizado" no Banco Central. "E qual foi o custo disso?”, pergunta. “Nós pesquisamos os balanços do BC: em 10 anos, sem atualizar, pegando valores históricos, R$ 754 bilhões saíram do orçamento federal para remunerar a sobra de caixa dos bancos. Se corrigirmos esse valor, estará aí o trilhão que o Guedes quer”, disse. “Não precisa arrebentar com a Previdência. Basta parar de remunerar a sobra de caixa dos bancos. O pagamento de juros é mascarado de amortização, porque estamos pagando juros, e contabilizando como amortização. Isso é para mascarar a burla do artigo 167, inciso 3 da Constituição, então, que crise é essa?”
Um país que tem R$ 4 trilhões líquidos – R$ 1,3 trilhão no caixa único do Tesouro, R$ 1,2 trilhão no caixa do BC e R$ 1,5 trilhão em reservas – não precisaria permitir que houvesse fome e miséria, argumentou Maria Lúcia. “São R$ 4 trilhões líquidos, em dinheiro. Estamos como se estivéssemos dentro de uma caverna, do Platão. Estamos acreditando nas sombras, estamos acreditando que tem crise. Mas estamos em um dos países mais ricos do mundo. Nós temos de lutar e exigir que essa riqueza deste país se manifesta na vida de cada um, de cada uma”, defendeu. “É uma vergonha ter tantas pessoas miseráveis nesse país e ainda querem cortar o pouco que a Previdência dá. A reforma que nós precisamos é para melhorar os benefícios dos pobres, é para não deixar nenhum brasileiro, nenhuma brasileira jogada nas ruas, no campo e nas cidades como ainda existe.”
100 anos do fascismo: 'O perigo atual é que democracia vire repressão com apoio popular', diz historiador
Da BBC News Mundo – 24/03/2019
Benito Mussolini fundou o 'Fasci italiani di combattimento' em 23 de março de 1919, em Milão, na Itália. Existe o perigo de um retorno do fascismo no mundo?
Quando questionado sobre o assunto, o historiador Emilio Gentile, considerado na Itália o maior especialista vivo sobre o fascismo, dá uma resposta contundente: "Absolutamente, não". No entanto, nos últimos tempos, os presidentes dos Estados Unidos, Rússia, Brasil, Hungria e muitos outros líderes políticos das Américas e da Europa foram rotulados como fascistas por suas políticas de imigração ou por seu nacionalismo. Mas é correto definí-los assim?
O historiador italiano Emilio Gentile é um dos maiores especialistas em fascismo do mundo. Este movimento político nasceu oficialmente na noite de 23 de março de 1919, quando Benito Mussolini (1883-1945) fundou em Milão o grupo Fasci Italiani di combattimento. O grupo reuniu ex-combatentes da Primeira Guerra Mundial, um conflito que deixou a Itália, como quase toda a Europa, mergulhada em uma profunda crise política, econômica e social.
Depois de alguns anos, Mussolini chegou ao poder graças ao apoio do rei Victor Emmanuel 3º, de grandes empresários e do Vaticano, bem como por meio do uso da violência. Em 1925, ele assumiu o controle de todos os poderes do Estado e transformou um regime parlamentar e democrático em um Estado totalitário regido pela total falta de liberdades individuais, políticas, organizacionais e de pensamento.
Mussolini e seu movimento também se tornaram uma referência para regimes autoritários em todo o mundo, particularmente para Adolf Hitler (1889-1945). Ele apoiou o regime nazista alemão durante a Segunda Guerra Mundial e, como Hitler, foi derrotado em 1945. Mas isso não significou a derrota do fascismo como ideologia política, que permanece viva em muitos movimentos da extrema direita. Mas o que é exatamente o fascismo?
O historiador Stanley G. Payne afirmou em um de seus vários estudos sobre o assunto que "continua sendo o mais indefinido dos termos políticos mais importantes". Cem anos após sua aparição na história, conversamos com Gentile sobre o tema.
BBC News Mundo - Sobre o que falamos quando falamos de "fascismo"?
Emilio Gentile - Devemos distinguir entre o fascismo histórico, que é o regime que, a partir da Itália, marcou a história do século 20 e se estendeu à Alemanha e a outros países europeus no período entre as duas guerras mundiais, e o que é freqüentemente chamado de fascismo depois de 1945, que se refere a todos aqueles que usam da violência em movimentos de extrema direita.
BBC News Mundo - Quais são as diferenças entre as duas definições?
Gentile - Há uma diferença substancial, porque vários movimentos de extrema direita já existiram antes do fascismo e não geraram um regime totalitário.
BBC News Mundo - O que se entende por "extrema direita"?
Gentile - Qualquer movimento que se oponha aos princípios da Revolução Francesa de igualdade e liberdade, que afirma a primazia da nação, mas sem necessariamente ter uma organização totalitária ou uma ambição de expansão imperialista. Sem o regime totalitário, sem a submissão da sociedade em um sistema hierárquico militarizado, não é possível falar de fascismo.
BBC News Mundo - Então, quando se pode falar de "fascismo"?
Gentile - Podemos falar de fascismo ao nos referir ao fascismo histórico, quando um movimento de massas organizado militarmente tomou o poder e transformou o regime parlamentar em um Estado totalitário, ou seja, em um Estado com um partido único que procurou transformar, regenerar ou até criar uma nova raça em nome de seus objetivos imperialistas e de conquista.
BBC News Mundo - Isto é, somente quando nos referimos a esta experiência específica?
Gentile - Sim, para o período histórico entre as duas guerras mundiais, quando ainda havia a vontade de conquistar e se expandir imperialmente por meio da guerra. Se estas características ainda estivessem presentes hoje, poderíamos falar em fascismo. Mas me parece completamente impossível. Mesmo aqueles países que aspiram a ter um papel hegemônico procuram fazer isso por meio da economia e não da conquista armada.
BBC News Mundo - O senhor acha que existe o perigo de um retorno do fascismo?
Gentile - Não, absolutamente, porque na história nada volta, nem de um jeito diferente. O que existe hoje é o perigo de uma democracia, em nome da soberania popular, assumir características racistas, antissemitas e xenófobas. Mas em nome da vontade popular e da democracia soberana, que é absolutamente o oposto do fascismo, porque o fascismo nega totalmente a soberania popular. Esses movimentos, no entanto, se definem como uma expressão da vontade popular, mas negam que este direito possa ser estendido a todos os cidadãos, sem discriminações entre os que pertencem à comunidade nacional e aqueles que não.
BBC News Mundo - Donald Trump, Vladimir Putin, Jair Bolsonaro, Viktor Orbán e outros líderes políticos foram chamados de fascista por suas políticas de imigração ou seu nacionalismo. É correto definí-los assim?
Gentile - Se afirmamos isso, poderíamos dizer então que todos são homens e brancos. Mas, ao mesmo tempo, não entenderíamos a novidade destes fenômenos. Não se trata de aplicar o termo "fascista" para todos os contextos, mas de entender quais são as causas que geraram e fizeram proliferar estes fenômenos. Em todos esses países, esses movimentos extremistas se afirmaram com base no voto popular.
BBC News Mundo - O senhor acha então que a palavra "fascismo" está sendo abusada para definir estes governos?
Gentile - Na minha opinião, é um grande erro, porque não nos permite compreender a verdadeira novidade destes fenômenos e o perigo que eles representam. E o perigo é que a democracia possa se tornar uma forma de repressão com o consentimento popular. A democracia em si não é necessariamente boa. Só é boa se realiza seu ideal democrático, isto é, a criação de uma sociedade onde não há discriminação e na qual todos podem desenvolver sua personalidade livremente, algo que o fascismo nega completamente. Então, o problema hoje não é o retorno do fascismo, mas quais são os perigos que a democracia pode gerar por si só, quando a maioria da população - ao menos, a maioria dos que votam - elege democraticamente líderes nacionalistas, racistas ou antisemitas.
Benito Mussolini fundou o 'Fasci italiani di combattimento' em 23 de março de 1919, em Milão, na Itália. Existe o perigo de um retorno do fascismo no mundo?
Quando questionado sobre o assunto, o historiador Emilio Gentile, considerado na Itália o maior especialista vivo sobre o fascismo, dá uma resposta contundente: "Absolutamente, não". No entanto, nos últimos tempos, os presidentes dos Estados Unidos, Rússia, Brasil, Hungria e muitos outros líderes políticos das Américas e da Europa foram rotulados como fascistas por suas políticas de imigração ou por seu nacionalismo. Mas é correto definí-los assim?
O historiador italiano Emilio Gentile é um dos maiores especialistas em fascismo do mundo. Este movimento político nasceu oficialmente na noite de 23 de março de 1919, quando Benito Mussolini (1883-1945) fundou em Milão o grupo Fasci Italiani di combattimento. O grupo reuniu ex-combatentes da Primeira Guerra Mundial, um conflito que deixou a Itália, como quase toda a Europa, mergulhada em uma profunda crise política, econômica e social.
Depois de alguns anos, Mussolini chegou ao poder graças ao apoio do rei Victor Emmanuel 3º, de grandes empresários e do Vaticano, bem como por meio do uso da violência. Em 1925, ele assumiu o controle de todos os poderes do Estado e transformou um regime parlamentar e democrático em um Estado totalitário regido pela total falta de liberdades individuais, políticas, organizacionais e de pensamento.
Mussolini e seu movimento também se tornaram uma referência para regimes autoritários em todo o mundo, particularmente para Adolf Hitler (1889-1945). Ele apoiou o regime nazista alemão durante a Segunda Guerra Mundial e, como Hitler, foi derrotado em 1945. Mas isso não significou a derrota do fascismo como ideologia política, que permanece viva em muitos movimentos da extrema direita. Mas o que é exatamente o fascismo?
O historiador Stanley G. Payne afirmou em um de seus vários estudos sobre o assunto que "continua sendo o mais indefinido dos termos políticos mais importantes". Cem anos após sua aparição na história, conversamos com Gentile sobre o tema.
BBC News Mundo - Sobre o que falamos quando falamos de "fascismo"?
Emilio Gentile - Devemos distinguir entre o fascismo histórico, que é o regime que, a partir da Itália, marcou a história do século 20 e se estendeu à Alemanha e a outros países europeus no período entre as duas guerras mundiais, e o que é freqüentemente chamado de fascismo depois de 1945, que se refere a todos aqueles que usam da violência em movimentos de extrema direita.
BBC News Mundo - Quais são as diferenças entre as duas definições?
Gentile - Há uma diferença substancial, porque vários movimentos de extrema direita já existiram antes do fascismo e não geraram um regime totalitário.
BBC News Mundo - O que se entende por "extrema direita"?
Gentile - Qualquer movimento que se oponha aos princípios da Revolução Francesa de igualdade e liberdade, que afirma a primazia da nação, mas sem necessariamente ter uma organização totalitária ou uma ambição de expansão imperialista. Sem o regime totalitário, sem a submissão da sociedade em um sistema hierárquico militarizado, não é possível falar de fascismo.
BBC News Mundo - Então, quando se pode falar de "fascismo"?
Gentile - Podemos falar de fascismo ao nos referir ao fascismo histórico, quando um movimento de massas organizado militarmente tomou o poder e transformou o regime parlamentar em um Estado totalitário, ou seja, em um Estado com um partido único que procurou transformar, regenerar ou até criar uma nova raça em nome de seus objetivos imperialistas e de conquista.
BBC News Mundo - Isto é, somente quando nos referimos a esta experiência específica?
Gentile - Sim, para o período histórico entre as duas guerras mundiais, quando ainda havia a vontade de conquistar e se expandir imperialmente por meio da guerra. Se estas características ainda estivessem presentes hoje, poderíamos falar em fascismo. Mas me parece completamente impossível. Mesmo aqueles países que aspiram a ter um papel hegemônico procuram fazer isso por meio da economia e não da conquista armada.
BBC News Mundo - O senhor acha que existe o perigo de um retorno do fascismo?
Gentile - Não, absolutamente, porque na história nada volta, nem de um jeito diferente. O que existe hoje é o perigo de uma democracia, em nome da soberania popular, assumir características racistas, antissemitas e xenófobas. Mas em nome da vontade popular e da democracia soberana, que é absolutamente o oposto do fascismo, porque o fascismo nega totalmente a soberania popular. Esses movimentos, no entanto, se definem como uma expressão da vontade popular, mas negam que este direito possa ser estendido a todos os cidadãos, sem discriminações entre os que pertencem à comunidade nacional e aqueles que não.
BBC News Mundo - Donald Trump, Vladimir Putin, Jair Bolsonaro, Viktor Orbán e outros líderes políticos foram chamados de fascista por suas políticas de imigração ou seu nacionalismo. É correto definí-los assim?
Gentile - Se afirmamos isso, poderíamos dizer então que todos são homens e brancos. Mas, ao mesmo tempo, não entenderíamos a novidade destes fenômenos. Não se trata de aplicar o termo "fascista" para todos os contextos, mas de entender quais são as causas que geraram e fizeram proliferar estes fenômenos. Em todos esses países, esses movimentos extremistas se afirmaram com base no voto popular.
BBC News Mundo - O senhor acha então que a palavra "fascismo" está sendo abusada para definir estes governos?
Gentile - Na minha opinião, é um grande erro, porque não nos permite compreender a verdadeira novidade destes fenômenos e o perigo que eles representam. E o perigo é que a democracia possa se tornar uma forma de repressão com o consentimento popular. A democracia em si não é necessariamente boa. Só é boa se realiza seu ideal democrático, isto é, a criação de uma sociedade onde não há discriminação e na qual todos podem desenvolver sua personalidade livremente, algo que o fascismo nega completamente. Então, o problema hoje não é o retorno do fascismo, mas quais são os perigos que a democracia pode gerar por si só, quando a maioria da população - ao menos, a maioria dos que votam - elege democraticamente líderes nacionalistas, racistas ou antisemitas.
Ao romper com países parceiros na OMC e se aliar aos EUA na OCDE, Brasil terá prejuízo histórico
Brasil 247 - 20 de Março de 2019: Marcelo Zero
Em sua viagem aos EUA, Bolsonaro e seu ministro da economia, Paulo Guedes, pediram apoio ao presidente Trump para que o Brasil possa ingressar na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Trump condicionou o apoio dos EUA à pretensão brasileira à renúncia do Brasil em continuar a receber tratamento especial e diferenciado previsto para países em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Pelas regras do GATT/OMC, os países considerados em desenvolvimento podem desfrutar de um tratamento especial e diferenciado que assegure a eles assegure certas flexibilidades no cumprimento das regras internacionais de comércio.
Esse tratamento especial inclui seis tipos de regras: 1) medidas destinadas a aumentar as oportunidades de comércio para países em desenvolvimento; 2) medidas de salvaguardas para proteger os países em desenvolvimento; 3) flexibilidade para cumprimento dos compromissos e para políticas; 4) períodos de transição mais longos para adaptação aos acordos; 5) direito ao provimento de assistência técnica para lidar com disputas comerciais; 6) medidas específicas para países muito pobres (LDCs).
O Brasil usava e ainda usa de tais medidas para proteger sua economia, ter acesso mais amplo a mercados e para desenvolver e manter políticas específicas destinadas à promoção de seu desenvolvimento. De um modo geral, o tratamento especial e diferenciado permite ao Brasil: praticar tarifas de importação mais altas, ter tempo de transição mais longo para se adaptar a quaisquer novas regras da OMC, ter a possibilidade de, em negociações comerciais, não assegurar a reciprocidade plena às ofertas de países desenvolvidos, ter a possibilidade de acesso mais facilitado ao mercado dos países desenvolvidos e, sobretudo, preservar espaços para a implementação de políticas destinadas à promoção do desenvolvimento, como políticas de industrialização, de desenvolvimento regional, de ciência e tecnologia.
A própria OMC reconhece a existência de 183 cláusulas distintas, distribuídas entre os vários acordos da organização, que protegem os interesses de países em desenvolvimento. Saliente-se, contudo, que os países desenvolvidos também conseguiram assegurar flexibilidades em áreas de seu interesse, como agricultura, por exemplo. Assim, o mercado de produtos agrícolas tem, nos países desenvolvidos, a proteção de uma montanha de subsídios, bem como de regras bastante liberais para a imposição de barreiras sanitárias e fitossanitárias, que impedem ou dificultam a exportação dos países em desenvolvimento competitivos nessa área, como o Brasil.
Mesmo assim, os países desenvolvidos e, em especial, os EUA, vêm tentando estabelecer novas regras que limitem o tratamento especial e diferenciado previsto nos acordos da OMC. Dessa forma, os EUA apresentaram proposta na OMC, pela qual membros em desenvolvimento da organização não poderiam ter tratamento especial se forem membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou candidatos a entrar na entidade; se forem membros do G-20; se forem classificados como países de "alta renda" pelo Banco Mundial; ou se forem responsáveis por mais de 0,5% do comércio mundial de mercadorias.
Aplicando-se tais critérios da proposta americana, ficariam automaticamente excluídos do tratamento especial e diferenciado Argentina, Brasil, China, Índia, Indonésia, México, Turquia, Arábia Saudita, África do Sul Coreia do Sul, Chile, Brunei, Egito, Hong Kong, Israel, Kuwait, Malásia, Nigéria, Filipinas, Qatar, Cingapura, Taiwan, Tailândia, Emirados Árabes Unidos e Vietnã. Obviamente, o objetivo principal dessa ofensiva norte-americana não é o Brasil. O objetivo principal é a China, com a qual o governo Trump deflagrou uma guerra comercial e econômica.
Na OMC, China, Índia e África do Sul, nossos parceiros de BRICS, partiram para uma contraofensiva. Esses países, entre outros contra-argumentos, enfatizam que o principal indicador de desenvolvimento não seria o valor do Produto Interno Bruto (PIB), como querem os EUA, mas sim o PIB per capita. O PIB per capita de países e blocos tipicamente desenvolvidos, como EUA, Austrália, Canadá e União Europeia oscila dentre US$ 33 mil a quase US$ 60 mil. Já no caso da China, Índia e Brasil, ele fica em torno ou abaixo de US$ 10 mil. Os países em desenvolvimento destacam ainda o enorme fosso que os separa dos desenvolvidos nos mais variados campos, incluindo áreas nas quais os ricos se beneficiaram de flexibilidades nas regras internacionais no passado.
É preciso considerar, ainda, que, mesmo com esse tratamento especial e diferenciado, foram os países em desenvolvimento que mais abriram seus mercados, após a Rodada Uruguai da OMC. Com efeito, entre 1990 e 2009, tais países aumentaram suas importações em 10,5% ao ano, ao passo que os países desenvolvidos aumentaram suas importações, no mesmo período, em apenas 5,8% ao ano. Em passado recente, o Brasil teria se somado a essa contraofensiva liderada pelos BRICS na OMC. Contudo, o Brasil de Bolsonaro preferiu somar-se aos EUA, nessa ofensiva contra os países emergentes na OMC.
Ao aceitar renunciar a esse tratamento especial e diferenciado na OMC, como contrapartida a um apoio duvidoso dos EUA para entrar na OCDE, o Brasil rompeu com seu compromisso histórico de defesa das posições dos países em desenvolvimento e, particularmente, com seus parceiros do BRICS.
Esse é, portanto, o primeiro grande prejuízo para o Brasil, em função de tal decisão. Um grande prejuízo diplomático e geopolítico. O Brasil aliou-se aos EUA, contra os países emergentes e os BRICS, numa disputa crucial na OMC. Essa nova posição do Brasil não será esquecida em votações na OMC e em outros foros internacionais.
Quanto aos prejuízos econômicos e comerciais, é muito difícil quantificá-los a priori. Mas pode-se argumentar, sem medo de errar, que eles deverão ser extensos, propagando-se, no médio e longo prazos, a todos os setores econômicos: agricultura, indústria e serviços. Assim que o Brasil renuncie a esse tratamento recebido na OMC, haverá pressões insustentáveis para que o nosso país reduza sua proteção tarifária em toda a TEC (Tarifa Externa Comum). Isso criará um problema político adicional: terá de haver negociações com os nossos parceiros do Mercosul para que se proceda a essas reduções, pois o Brasil participa de uma união aduaneira com esses países.
Mas, independentemente dessa negociação, a redução das tarifas efetivamente praticadas ou consolidadas (tarifas máximas permitidas) deverá acarretar prejuízos de monta, especialmente para os nossos setores industriais que não possuem ainda muita competitividade. Observe-se que o Brasil pratica tarifas médias ponderadas de cerca de 11% em suas importações, e tem tarifas consolidadas na OMC de cerca de 35%. Já a maior parte dos países desenvolvidos pratica tarifas médias ponderadas de apenas 3%. O tamanho potencial do tombo é, pois, enorme.
Além disso, o Brasil deverá perder todas as preferências tarifárias de que hoje desfruta nos mercados dos países desenvolvidos. Ou seja, perderemos mercado externo para nossas exportações e, ao mesmo tempo, abriremos nosso mercado interno para as exportações de outros países.
Outro grande problema que tal decisão acarretará tange à perda das flexibilidades quanto à implementação de políticas de industrialização, de desenvolvimento regional, de ciência e tecnologia, etc., particularmente aquelas referentes ao acordo de subsídios e medidas compensatórias. De agora em diante, ficaremos mais expostos a ações de outros países contra nossos programas industriais na OMC e receberemos tratamento mais rigoroso nos panels daquela organização.
Por certo, o Brasil não receberá nenhum benefício dessa renúncia. É por isso que China, Índia e muitos outros países em desenvolvimento não abrem mão desse tratamento especial e diferenciado e resistem a ofensiva dos EUA, destinada a enrijecer a elegibilidade para dele desfrutar. Ninguém abre mão de tratamento especial, nem no plano interno, nem no plano externo. Até mesmo a Coreia do Sul, mesmo sendo membro da OCDE e bem mais desenvolvida que o Brasil, não abre mão do tratamento especial e diferenciado que desfruta n OMC.
Os defensores da proposta de Trump, aceita por Bolsonaro sem nenhum estudo prévio, argumentarão, porém, que os inegáveis prejuízos com a renúncia ao tratamento especial e diferenciado na OMC seriam compensados pelo ingresso do Brasil na OCDE. Engano. Em primeiro lugar, porque o apoio dos EUA às pretensões brasileiras não é suficiente. Os países europeus também teriam de concordar. Isso será difícil. Estão na fila para entrar na OCDE, da América Latina, Colômbia e Costa Rica. Após a entrada desses países, a prioridade será, para os europeus, permitir o acesso de outros países do Leste europeu, não o do Brasil.
Em segundo lugar porque, mesmo que consiga entrar na OCDE, os prejuízos serão maiores que eventuais benefícios. E o que é a OCDE? É uma organização que reúne 35 países, a grande maioria nações plenamente desenvolvidas, com algumas exceções, como México e Turquia, por exemplo. Criada em 1961, a partir da experiência da Organização para a Cooperação Econômica (OECE), organização constituída para gerir o Plano Marshall, a OCDE é também conhecida como o “Clube dos Ricos”, pois seus membros, basicamente os EUA, os países europeus, Japão, Coreia, Canadá e Austrália, produzem mais da metade do PIB mundial.
Seu objetivo político e econômico fundamental é o de promover as virtudes da “economia de mercado”, que ela associa indissoluvelmente à “democracia” e aos “direitos humanos”. Em seu site oficial, constam como suas prioridades atuais “restaurar a confiança no mercado e nas instituições que o fazem funcionar” e “reestabelecer finanças públicas saudáveis como base para o crescimento econômico sustentável”. Assim, trata-se de uma organização comprometida com os valores, os princípios e as teses neoliberais, bem como com o funcionamento desregulado do capitalismo financeirizado, tal qual convém a um “Clube dos Ricos”.
Portanto, a adesão do Brasil, se concretizada, não virá de graça. A OCDE só aceitará o Brasil após uma avaliação rigorosa de suas políticas e de suas práticas. Caso julgue necessário, a OCDE demandará as devidas correções de rumo. Na prática, o pedido do Brasil será submetido a um grande número de comitês, que avaliarão a adequação do nosso país às suas regras e recomendações.
O Comitê de Investimentos, por exemplo, avaliará se o Brasil está conforme com suas determinações de que os países-membros estejam comprometidos com a liberação da movimentação de capitais, com a inexistência de restrições a pagamentos e transferências ao exterior (nada de controle de capitais e de câmbio), a liberalização dos serviços financeiros ao capital internacional, a proteção efetiva e rígida, para além do que determina o acordo TRIPS da OMC (TRIPS plus), da propriedade intelectual (nada de quebra de patentes), etc.
Por sua vez, o Comitê de Seguros e de Pensões Privadas avaliará, entre outras exigências, se o Brasil já assegurou a eliminação de barreiras à participação do capital internacional nos fundos de pensões. A relação com a Reforma da Previdência é óbvia.
E por aí vai.
O irônico é que o Brasil já tira proveito da OCDE, sem arcar com essas imposições e custos políticos. Com efeito, nosso país participa como observador da OCDE e se utiliza de alguns de seus programas, como o do PISA, que mede a qualidade da educação no mundo. Também já aderiu voluntariamente a algumas de suas convenções, como a “Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais”.
Então, por que insistir na adesão?
Em primeiro lugar, porque os governos pós-golpe, que se manietaram com a emenda constitucional do congelamento dos investimentos públicos, querem usar a OCDE como plataforma para atrair investimentos externos e inserir-se “nas cadeias globais de valor”. A OCDE daria, segundo eles, “um selo de qualidade” ao Brasil para a atração desses investimentos. Ora, isso é mito. O ingresso na OCDE não assegura fluxo de investimentos, especialmente de investimentos diretos. Esses investimentos só virão, independentemente do ingresso do Brasil na OCDE, caso o país volte a crescer de forma sustentada, algo que não ocorrerá, caso sigamos as determinações ortodoxas e neoliberais daquela organização.
A bem da verdade, o objetivo principal dessa adesão à OCDE é político. A finalidade pretendida pelo novo tzar da economia, Paulo Guedes, é blindar a sua opção ultraneoliberal em um acordo internacional de difícil reversão. Se o Brasil aderir à OCDE, ficará comprometido, sine die, com todas as exigências neoliberais dessa organização. Futuros governos, mesmo discordando dessa opção, ficariam obrigados a obedecer às diretrizes liberais ortodoxas emanadas da OCDE.
Na realidade, com a decisão tomada em Washington, a blindagem seria dupla. De um lado, renunciaríamos à proteção assegurada pelo tratamento especial e diferenciado na OMC. De outro, nos comprometeríamos, mediante o ingresso na OCDE, com os princípios neoliberais e de gestão ortodoxa da economia defendidos pelo “Clube dos Ricos”. Mas a coisa vai além disso, que já não é pouco. Essa adesão formal ao “Clube dos Ricos” significa, do ponto de vista político e diplomático, que o Brasil renuncia definitivamente a sua política externa anterior e se submete aos desígnios estratégicos dos EUA e aliados e às demandas do mercado financeiro globalizado.
Com tal adesão, o Brasil sinaliza ao mundo que abre mão de ser um líder mundial dos países em desenvolvimento. Sinaliza que renuncia as suas parcerias estratégicas com países emergentes. Mostra que abre mão de um papel de relevo no BRICS. Sinaliza que renuncia a ideia de ter um espaço próprio e independente no concerto das nações. Na realidade, essa adesão ao “Clube dos Ricos” é uma capitulação política e diplomática. É uma demonstração de submissão ideológica.
Saliente-se que, durante o governo Lula, quando o Brasil era respeitado no concerto das nações, fomos convidados a entrar na OCDE. Não pedimos. Fomos convidados. Se não formalmente, de forma pública e inequívoca. Com efeito, o secretário-geral da OCDE na época (2009) afirmou, em entrevista à Folha de São Paulo (15.07.2009): "'Sobre a possibilidade de o Brasil se tornar parceiro formal da OCDE, só depende do país. As nossas portas estão abertas”. Mantega agradeceu, mas polidamente recusou, assinalando que Brasil não estava disposto a seguir as regras do bloco.
Bons tempos....
Em sua viagem aos EUA, Bolsonaro e seu ministro da economia, Paulo Guedes, pediram apoio ao presidente Trump para que o Brasil possa ingressar na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Trump condicionou o apoio dos EUA à pretensão brasileira à renúncia do Brasil em continuar a receber tratamento especial e diferenciado previsto para países em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Pelas regras do GATT/OMC, os países considerados em desenvolvimento podem desfrutar de um tratamento especial e diferenciado que assegure a eles assegure certas flexibilidades no cumprimento das regras internacionais de comércio.
Esse tratamento especial inclui seis tipos de regras: 1) medidas destinadas a aumentar as oportunidades de comércio para países em desenvolvimento; 2) medidas de salvaguardas para proteger os países em desenvolvimento; 3) flexibilidade para cumprimento dos compromissos e para políticas; 4) períodos de transição mais longos para adaptação aos acordos; 5) direito ao provimento de assistência técnica para lidar com disputas comerciais; 6) medidas específicas para países muito pobres (LDCs).
O Brasil usava e ainda usa de tais medidas para proteger sua economia, ter acesso mais amplo a mercados e para desenvolver e manter políticas específicas destinadas à promoção de seu desenvolvimento. De um modo geral, o tratamento especial e diferenciado permite ao Brasil: praticar tarifas de importação mais altas, ter tempo de transição mais longo para se adaptar a quaisquer novas regras da OMC, ter a possibilidade de, em negociações comerciais, não assegurar a reciprocidade plena às ofertas de países desenvolvidos, ter a possibilidade de acesso mais facilitado ao mercado dos países desenvolvidos e, sobretudo, preservar espaços para a implementação de políticas destinadas à promoção do desenvolvimento, como políticas de industrialização, de desenvolvimento regional, de ciência e tecnologia.
A própria OMC reconhece a existência de 183 cláusulas distintas, distribuídas entre os vários acordos da organização, que protegem os interesses de países em desenvolvimento. Saliente-se, contudo, que os países desenvolvidos também conseguiram assegurar flexibilidades em áreas de seu interesse, como agricultura, por exemplo. Assim, o mercado de produtos agrícolas tem, nos países desenvolvidos, a proteção de uma montanha de subsídios, bem como de regras bastante liberais para a imposição de barreiras sanitárias e fitossanitárias, que impedem ou dificultam a exportação dos países em desenvolvimento competitivos nessa área, como o Brasil.
Mesmo assim, os países desenvolvidos e, em especial, os EUA, vêm tentando estabelecer novas regras que limitem o tratamento especial e diferenciado previsto nos acordos da OMC. Dessa forma, os EUA apresentaram proposta na OMC, pela qual membros em desenvolvimento da organização não poderiam ter tratamento especial se forem membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou candidatos a entrar na entidade; se forem membros do G-20; se forem classificados como países de "alta renda" pelo Banco Mundial; ou se forem responsáveis por mais de 0,5% do comércio mundial de mercadorias.
Aplicando-se tais critérios da proposta americana, ficariam automaticamente excluídos do tratamento especial e diferenciado Argentina, Brasil, China, Índia, Indonésia, México, Turquia, Arábia Saudita, África do Sul Coreia do Sul, Chile, Brunei, Egito, Hong Kong, Israel, Kuwait, Malásia, Nigéria, Filipinas, Qatar, Cingapura, Taiwan, Tailândia, Emirados Árabes Unidos e Vietnã. Obviamente, o objetivo principal dessa ofensiva norte-americana não é o Brasil. O objetivo principal é a China, com a qual o governo Trump deflagrou uma guerra comercial e econômica.
Na OMC, China, Índia e África do Sul, nossos parceiros de BRICS, partiram para uma contraofensiva. Esses países, entre outros contra-argumentos, enfatizam que o principal indicador de desenvolvimento não seria o valor do Produto Interno Bruto (PIB), como querem os EUA, mas sim o PIB per capita. O PIB per capita de países e blocos tipicamente desenvolvidos, como EUA, Austrália, Canadá e União Europeia oscila dentre US$ 33 mil a quase US$ 60 mil. Já no caso da China, Índia e Brasil, ele fica em torno ou abaixo de US$ 10 mil. Os países em desenvolvimento destacam ainda o enorme fosso que os separa dos desenvolvidos nos mais variados campos, incluindo áreas nas quais os ricos se beneficiaram de flexibilidades nas regras internacionais no passado.
É preciso considerar, ainda, que, mesmo com esse tratamento especial e diferenciado, foram os países em desenvolvimento que mais abriram seus mercados, após a Rodada Uruguai da OMC. Com efeito, entre 1990 e 2009, tais países aumentaram suas importações em 10,5% ao ano, ao passo que os países desenvolvidos aumentaram suas importações, no mesmo período, em apenas 5,8% ao ano. Em passado recente, o Brasil teria se somado a essa contraofensiva liderada pelos BRICS na OMC. Contudo, o Brasil de Bolsonaro preferiu somar-se aos EUA, nessa ofensiva contra os países emergentes na OMC.
Ao aceitar renunciar a esse tratamento especial e diferenciado na OMC, como contrapartida a um apoio duvidoso dos EUA para entrar na OCDE, o Brasil rompeu com seu compromisso histórico de defesa das posições dos países em desenvolvimento e, particularmente, com seus parceiros do BRICS.
Esse é, portanto, o primeiro grande prejuízo para o Brasil, em função de tal decisão. Um grande prejuízo diplomático e geopolítico. O Brasil aliou-se aos EUA, contra os países emergentes e os BRICS, numa disputa crucial na OMC. Essa nova posição do Brasil não será esquecida em votações na OMC e em outros foros internacionais.
Quanto aos prejuízos econômicos e comerciais, é muito difícil quantificá-los a priori. Mas pode-se argumentar, sem medo de errar, que eles deverão ser extensos, propagando-se, no médio e longo prazos, a todos os setores econômicos: agricultura, indústria e serviços. Assim que o Brasil renuncie a esse tratamento recebido na OMC, haverá pressões insustentáveis para que o nosso país reduza sua proteção tarifária em toda a TEC (Tarifa Externa Comum). Isso criará um problema político adicional: terá de haver negociações com os nossos parceiros do Mercosul para que se proceda a essas reduções, pois o Brasil participa de uma união aduaneira com esses países.
Mas, independentemente dessa negociação, a redução das tarifas efetivamente praticadas ou consolidadas (tarifas máximas permitidas) deverá acarretar prejuízos de monta, especialmente para os nossos setores industriais que não possuem ainda muita competitividade. Observe-se que o Brasil pratica tarifas médias ponderadas de cerca de 11% em suas importações, e tem tarifas consolidadas na OMC de cerca de 35%. Já a maior parte dos países desenvolvidos pratica tarifas médias ponderadas de apenas 3%. O tamanho potencial do tombo é, pois, enorme.
Além disso, o Brasil deverá perder todas as preferências tarifárias de que hoje desfruta nos mercados dos países desenvolvidos. Ou seja, perderemos mercado externo para nossas exportações e, ao mesmo tempo, abriremos nosso mercado interno para as exportações de outros países.
Outro grande problema que tal decisão acarretará tange à perda das flexibilidades quanto à implementação de políticas de industrialização, de desenvolvimento regional, de ciência e tecnologia, etc., particularmente aquelas referentes ao acordo de subsídios e medidas compensatórias. De agora em diante, ficaremos mais expostos a ações de outros países contra nossos programas industriais na OMC e receberemos tratamento mais rigoroso nos panels daquela organização.
Por certo, o Brasil não receberá nenhum benefício dessa renúncia. É por isso que China, Índia e muitos outros países em desenvolvimento não abrem mão desse tratamento especial e diferenciado e resistem a ofensiva dos EUA, destinada a enrijecer a elegibilidade para dele desfrutar. Ninguém abre mão de tratamento especial, nem no plano interno, nem no plano externo. Até mesmo a Coreia do Sul, mesmo sendo membro da OCDE e bem mais desenvolvida que o Brasil, não abre mão do tratamento especial e diferenciado que desfruta n OMC.
Os defensores da proposta de Trump, aceita por Bolsonaro sem nenhum estudo prévio, argumentarão, porém, que os inegáveis prejuízos com a renúncia ao tratamento especial e diferenciado na OMC seriam compensados pelo ingresso do Brasil na OCDE. Engano. Em primeiro lugar, porque o apoio dos EUA às pretensões brasileiras não é suficiente. Os países europeus também teriam de concordar. Isso será difícil. Estão na fila para entrar na OCDE, da América Latina, Colômbia e Costa Rica. Após a entrada desses países, a prioridade será, para os europeus, permitir o acesso de outros países do Leste europeu, não o do Brasil.
Em segundo lugar porque, mesmo que consiga entrar na OCDE, os prejuízos serão maiores que eventuais benefícios. E o que é a OCDE? É uma organização que reúne 35 países, a grande maioria nações plenamente desenvolvidas, com algumas exceções, como México e Turquia, por exemplo. Criada em 1961, a partir da experiência da Organização para a Cooperação Econômica (OECE), organização constituída para gerir o Plano Marshall, a OCDE é também conhecida como o “Clube dos Ricos”, pois seus membros, basicamente os EUA, os países europeus, Japão, Coreia, Canadá e Austrália, produzem mais da metade do PIB mundial.
Seu objetivo político e econômico fundamental é o de promover as virtudes da “economia de mercado”, que ela associa indissoluvelmente à “democracia” e aos “direitos humanos”. Em seu site oficial, constam como suas prioridades atuais “restaurar a confiança no mercado e nas instituições que o fazem funcionar” e “reestabelecer finanças públicas saudáveis como base para o crescimento econômico sustentável”. Assim, trata-se de uma organização comprometida com os valores, os princípios e as teses neoliberais, bem como com o funcionamento desregulado do capitalismo financeirizado, tal qual convém a um “Clube dos Ricos”.
Portanto, a adesão do Brasil, se concretizada, não virá de graça. A OCDE só aceitará o Brasil após uma avaliação rigorosa de suas políticas e de suas práticas. Caso julgue necessário, a OCDE demandará as devidas correções de rumo. Na prática, o pedido do Brasil será submetido a um grande número de comitês, que avaliarão a adequação do nosso país às suas regras e recomendações.
O Comitê de Investimentos, por exemplo, avaliará se o Brasil está conforme com suas determinações de que os países-membros estejam comprometidos com a liberação da movimentação de capitais, com a inexistência de restrições a pagamentos e transferências ao exterior (nada de controle de capitais e de câmbio), a liberalização dos serviços financeiros ao capital internacional, a proteção efetiva e rígida, para além do que determina o acordo TRIPS da OMC (TRIPS plus), da propriedade intelectual (nada de quebra de patentes), etc.
Por sua vez, o Comitê de Seguros e de Pensões Privadas avaliará, entre outras exigências, se o Brasil já assegurou a eliminação de barreiras à participação do capital internacional nos fundos de pensões. A relação com a Reforma da Previdência é óbvia.
E por aí vai.
O irônico é que o Brasil já tira proveito da OCDE, sem arcar com essas imposições e custos políticos. Com efeito, nosso país participa como observador da OCDE e se utiliza de alguns de seus programas, como o do PISA, que mede a qualidade da educação no mundo. Também já aderiu voluntariamente a algumas de suas convenções, como a “Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais”.
Então, por que insistir na adesão?
Em primeiro lugar, porque os governos pós-golpe, que se manietaram com a emenda constitucional do congelamento dos investimentos públicos, querem usar a OCDE como plataforma para atrair investimentos externos e inserir-se “nas cadeias globais de valor”. A OCDE daria, segundo eles, “um selo de qualidade” ao Brasil para a atração desses investimentos. Ora, isso é mito. O ingresso na OCDE não assegura fluxo de investimentos, especialmente de investimentos diretos. Esses investimentos só virão, independentemente do ingresso do Brasil na OCDE, caso o país volte a crescer de forma sustentada, algo que não ocorrerá, caso sigamos as determinações ortodoxas e neoliberais daquela organização.
A bem da verdade, o objetivo principal dessa adesão à OCDE é político. A finalidade pretendida pelo novo tzar da economia, Paulo Guedes, é blindar a sua opção ultraneoliberal em um acordo internacional de difícil reversão. Se o Brasil aderir à OCDE, ficará comprometido, sine die, com todas as exigências neoliberais dessa organização. Futuros governos, mesmo discordando dessa opção, ficariam obrigados a obedecer às diretrizes liberais ortodoxas emanadas da OCDE.
Na realidade, com a decisão tomada em Washington, a blindagem seria dupla. De um lado, renunciaríamos à proteção assegurada pelo tratamento especial e diferenciado na OMC. De outro, nos comprometeríamos, mediante o ingresso na OCDE, com os princípios neoliberais e de gestão ortodoxa da economia defendidos pelo “Clube dos Ricos”. Mas a coisa vai além disso, que já não é pouco. Essa adesão formal ao “Clube dos Ricos” significa, do ponto de vista político e diplomático, que o Brasil renuncia definitivamente a sua política externa anterior e se submete aos desígnios estratégicos dos EUA e aliados e às demandas do mercado financeiro globalizado.
Com tal adesão, o Brasil sinaliza ao mundo que abre mão de ser um líder mundial dos países em desenvolvimento. Sinaliza que renuncia as suas parcerias estratégicas com países emergentes. Mostra que abre mão de um papel de relevo no BRICS. Sinaliza que renuncia a ideia de ter um espaço próprio e independente no concerto das nações. Na realidade, essa adesão ao “Clube dos Ricos” é uma capitulação política e diplomática. É uma demonstração de submissão ideológica.
Saliente-se que, durante o governo Lula, quando o Brasil era respeitado no concerto das nações, fomos convidados a entrar na OCDE. Não pedimos. Fomos convidados. Se não formalmente, de forma pública e inequívoca. Com efeito, o secretário-geral da OCDE na época (2009) afirmou, em entrevista à Folha de São Paulo (15.07.2009): "'Sobre a possibilidade de o Brasil se tornar parceiro formal da OCDE, só depende do país. As nossas portas estão abertas”. Mantega agradeceu, mas polidamente recusou, assinalando que Brasil não estava disposto a seguir as regras do bloco.
Bons tempos....
domingo, 1 de abril de 2018
Jesus não morreu pelos “nossos pecados” e sim por enfrentar o sistema
Nesta Sexta-Feira da Paixão, Caminho Pra Casa publica artigo exclusivo de um dos maiores biblistas vivos, o frade italiano Alberto Maggi. A tradução é do biblista brasileiro padre Francisco Cornélio. No texto, Maggi demole duas ideias que estão na base do cristianismo falsificado que os integristas sustentam há séculos: 1) Jesus teria sido morto “pelos nossos pecados”; 2) essa seria “a vontade de Deus”. A versão é insustentável com um exame realista e honesto dos textos bíblicos. Os Evangelhos são claríssimos: Jesus morreu porque confrontou o Templo, um sistema de dominação e exploração dos pobres de Israel. Jesus não inaugurou o tempo da culpa, mas o da misericórdia e o da vida plena para os pobres. A íntegra do artigo a seguir.
Por Alberto Maggi | Tradução: Francisco Cornélio
Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados. Essa é a resposta que normalmente se dá para aqueles que perguntam por que o Filho de Deus terminou seus dias na forma mais infame para um judeu, o patíbulo da cruz, a morte dos amaldiçoados por Deus (Gl 3,13).
Jesus morreu pelos nossos pecados. Não só pelos nossos, mas também por aqueles homens e mulheres que viveram antes dele e, portanto, não o conheceram e, enfim, por toda a humanidade vindoura. Sendo assim, é inevitável que olhando para o crucifixo, com aquele corpo que foi torturado, ferido, riscado de correntes e coágulos de sangue expostos, aqueles pregos que perfuram a carne, aqueles espinhos presos na cabeça de Jesus, qualquer um se sinta culpado … o Filho de Deus acabou no patíbulo pelos nossos pecados! Corre-se o risco de sentimentos de culpa infiltrarem-se como um tóxico nas profundezas da psiquê humana, tornando-se irreversíveis, a ponto de condicionar permanentemente a existência do indivíduo, como bem sabem psicólogos e psiquiatras, que não param de atender pessoas religiosas devastadas por medos e distúrbios.
No entanto, basta ler os Evangelhos para ver que as coisas são diferentes. Jesus foi assassinado pelos interesses da casta sacerdotal no poder, aterrorizada pelo medo de perder o domínio sobre o povo e, sobretudo, de ver desaparecer a riqueza acumulada às custas da fé das pessoas.
A morte de Jesus não se deve apenas a um problema teológico, mas econômico. O Cristo não era um perigo para a teologia (no judaísmo havia muitas correntes espirituais que competiam entre si, mas que eram toleradas pelas autoridades), mas para a economia. O crime pelo qual Jesus foi eliminado foi ter apresentado um Deus completamente diferente daquele imposto pelos líderes religiosos, um Pai que nunca pede a seus filhos, mas que sempre dá.
A próspera economia do templo de Jerusalém, que o tornava o banco mais forte em todo o Oriente Médio, era sustentada pelos impostos, ofertas e, acima de tudo, pelos rituais para obter, mediante pagamento, o perdão de Deus. Era todo um comércio de animais, de peles, de ofertas em dinheiro, frutos, grãos, tudo para a “honra de Deus” e os bolsos dos sacerdotes, nunca saturados: “cães vorazes: desconhecem a saciedade; são pastores sem entendimento; todos seguem seu próprio caminho, cada um procura vantagem própria” (Is 56, 11).
Quando os escribas, a mais alta autoridade teológica no país, considerando o ensinamento infalível da Lei, vêem Jesus perdoar os pecados a um paralítico, imediatamente sentenciam: “Este homem está blasfemando!” (Mt 9,3). E os blasfemos devem ser mortos imediatamente (Lv 24,11-14). A indignação dos escribas pode parecer uma defesa da ortodoxia, mas na verdade, visa salvaguardar a economia. Para receber o perdão dos pecados, de fato, o pecador tinha que ir ao templo e oferecer aquilo que o tarifário das culpas prescrevia, de acordo com a categoria do pecado, listando detalhadamente quantas cabras, galinhas, pombos ou outras coisas se deveria oferecer em reparação pela ofensa ao Senhor. E Jesus, pelo contrário, perdoa gratuitamente, sem convidar o perdoado a subir ao templo para levar a sua oferta.
“Perdoai e sereis perdoados” (Lc 6,37) é, de fato, o chocante anúncio de Jesus: apenas duas palavras que, no entanto, ameaçaram desestabilizar toda a economia de Jerusalém. Para obter o perdão de Deus, não havia mais necessidade de ir ao templo levando ofertas, nem de submeter-se a ritos de purificação, nada disso. Não, bastava perdoar para ser imediatamente perdoado…
O alarme cresceu, os sumos sacerdotes e escribas, os fariseus e saduceus ficaram todos inquietos, sentiram o chão afundar sob seus pés, até que, em uma reunião dramática do Sinédrio, o mais alto órgão jurídico do país, o sumo sacerdote Caifás tomou a decisão. “Jesus deve ser morto”, e não apenas ele, mas também todos os discípulos porque não era perigoso apenas o Nazareno, mas a sua doutrina, e enquanto houvesse apenas um seguidor capaz de propagá-la, as autoridades não dormiriram tranquilas (“Se deixarmos ele continuar, todos acreditarão nele … “, Jo 11,48). Para convencer o Sinédrio da urgência de eliminar Jesus, Caifás não se referiu a temas teológicos, espirituais; não, o sumo sacerdote conhecia bem os seus, então brutalmente pôs em jogo o que mais estava em seu coração, o interesse: “Não compreendeis que é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda?” (Jo 11,50).
Jesus não morreu pelos nossos pecados, e muito menos por ser essa a vontade de Deus, mas pela ganância da instituição religiosa, capaz de eliminar qualquer um que interfira em seus interesses, até mesmo o Filho de Deus: “Este é o herdeiro: vamos! Matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança” (Mt 21,38). O verdadeiro inimigo de Deus não é o pecado, que o Senhor em sua misericórdia sempre consegue apagar, mas o interesse, a conveniência e a cobiça que tornam os homens completamente refratários à ação divina.
Alberto Maggi, biblista italiano, frade da Ordem dos Servos de Maria, estudou nas Pontíficias Faculdades Teológicas Marianum e Gregoriana de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversos livros, como A loucura de Deus: o Cristo de João, Nossa Senhora dos heréticos
Francisco Cornélio, sacerdote e biblista brasileiro, é professor no curso de Teologia da Faculdade Diocesana de Mossoró (RN). Fez seu bacharelado no Ateneo Pontificio Regina Apostolorum, em Roma. Atualmente, está em Roma novamente, para o doutorado no Angelicum (Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino), onde fez seu mestrado
Fonte: http://outraspalavras.net/maurolopes/2018/03/30/jesus-nao-morreu-pelos-nossos-pecados-e-sim-por-enfrentar-o-sistema/
Por Alberto Maggi | Tradução: Francisco Cornélio
Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados. Essa é a resposta que normalmente se dá para aqueles que perguntam por que o Filho de Deus terminou seus dias na forma mais infame para um judeu, o patíbulo da cruz, a morte dos amaldiçoados por Deus (Gl 3,13).
Jesus morreu pelos nossos pecados. Não só pelos nossos, mas também por aqueles homens e mulheres que viveram antes dele e, portanto, não o conheceram e, enfim, por toda a humanidade vindoura. Sendo assim, é inevitável que olhando para o crucifixo, com aquele corpo que foi torturado, ferido, riscado de correntes e coágulos de sangue expostos, aqueles pregos que perfuram a carne, aqueles espinhos presos na cabeça de Jesus, qualquer um se sinta culpado … o Filho de Deus acabou no patíbulo pelos nossos pecados! Corre-se o risco de sentimentos de culpa infiltrarem-se como um tóxico nas profundezas da psiquê humana, tornando-se irreversíveis, a ponto de condicionar permanentemente a existência do indivíduo, como bem sabem psicólogos e psiquiatras, que não param de atender pessoas religiosas devastadas por medos e distúrbios.
No entanto, basta ler os Evangelhos para ver que as coisas são diferentes. Jesus foi assassinado pelos interesses da casta sacerdotal no poder, aterrorizada pelo medo de perder o domínio sobre o povo e, sobretudo, de ver desaparecer a riqueza acumulada às custas da fé das pessoas.
A morte de Jesus não se deve apenas a um problema teológico, mas econômico. O Cristo não era um perigo para a teologia (no judaísmo havia muitas correntes espirituais que competiam entre si, mas que eram toleradas pelas autoridades), mas para a economia. O crime pelo qual Jesus foi eliminado foi ter apresentado um Deus completamente diferente daquele imposto pelos líderes religiosos, um Pai que nunca pede a seus filhos, mas que sempre dá.
A próspera economia do templo de Jerusalém, que o tornava o banco mais forte em todo o Oriente Médio, era sustentada pelos impostos, ofertas e, acima de tudo, pelos rituais para obter, mediante pagamento, o perdão de Deus. Era todo um comércio de animais, de peles, de ofertas em dinheiro, frutos, grãos, tudo para a “honra de Deus” e os bolsos dos sacerdotes, nunca saturados: “cães vorazes: desconhecem a saciedade; são pastores sem entendimento; todos seguem seu próprio caminho, cada um procura vantagem própria” (Is 56, 11).
Quando os escribas, a mais alta autoridade teológica no país, considerando o ensinamento infalível da Lei, vêem Jesus perdoar os pecados a um paralítico, imediatamente sentenciam: “Este homem está blasfemando!” (Mt 9,3). E os blasfemos devem ser mortos imediatamente (Lv 24,11-14). A indignação dos escribas pode parecer uma defesa da ortodoxia, mas na verdade, visa salvaguardar a economia. Para receber o perdão dos pecados, de fato, o pecador tinha que ir ao templo e oferecer aquilo que o tarifário das culpas prescrevia, de acordo com a categoria do pecado, listando detalhadamente quantas cabras, galinhas, pombos ou outras coisas se deveria oferecer em reparação pela ofensa ao Senhor. E Jesus, pelo contrário, perdoa gratuitamente, sem convidar o perdoado a subir ao templo para levar a sua oferta.
“Perdoai e sereis perdoados” (Lc 6,37) é, de fato, o chocante anúncio de Jesus: apenas duas palavras que, no entanto, ameaçaram desestabilizar toda a economia de Jerusalém. Para obter o perdão de Deus, não havia mais necessidade de ir ao templo levando ofertas, nem de submeter-se a ritos de purificação, nada disso. Não, bastava perdoar para ser imediatamente perdoado…
O alarme cresceu, os sumos sacerdotes e escribas, os fariseus e saduceus ficaram todos inquietos, sentiram o chão afundar sob seus pés, até que, em uma reunião dramática do Sinédrio, o mais alto órgão jurídico do país, o sumo sacerdote Caifás tomou a decisão. “Jesus deve ser morto”, e não apenas ele, mas também todos os discípulos porque não era perigoso apenas o Nazareno, mas a sua doutrina, e enquanto houvesse apenas um seguidor capaz de propagá-la, as autoridades não dormiriram tranquilas (“Se deixarmos ele continuar, todos acreditarão nele … “, Jo 11,48). Para convencer o Sinédrio da urgência de eliminar Jesus, Caifás não se referiu a temas teológicos, espirituais; não, o sumo sacerdote conhecia bem os seus, então brutalmente pôs em jogo o que mais estava em seu coração, o interesse: “Não compreendeis que é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda?” (Jo 11,50).
Jesus não morreu pelos nossos pecados, e muito menos por ser essa a vontade de Deus, mas pela ganância da instituição religiosa, capaz de eliminar qualquer um que interfira em seus interesses, até mesmo o Filho de Deus: “Este é o herdeiro: vamos! Matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança” (Mt 21,38). O verdadeiro inimigo de Deus não é o pecado, que o Senhor em sua misericórdia sempre consegue apagar, mas o interesse, a conveniência e a cobiça que tornam os homens completamente refratários à ação divina.
Alberto Maggi, biblista italiano, frade da Ordem dos Servos de Maria, estudou nas Pontíficias Faculdades Teológicas Marianum e Gregoriana de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversos livros, como A loucura de Deus: o Cristo de João, Nossa Senhora dos heréticos
Francisco Cornélio, sacerdote e biblista brasileiro, é professor no curso de Teologia da Faculdade Diocesana de Mossoró (RN). Fez seu bacharelado no Ateneo Pontificio Regina Apostolorum, em Roma. Atualmente, está em Roma novamente, para o doutorado no Angelicum (Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino), onde fez seu mestrado
Fonte: http://outraspalavras.net/maurolopes/2018/03/30/jesus-nao-morreu-pelos-nossos-pecados-e-sim-por-enfrentar-o-sistema/
quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018
Pedagogia da Presença e habilidades socioemocionais: a nova versão neoliberal para educação
Uma das primeiras medidas imposta pelo Governo Temer, logo após o golpe parlamentar-jurídico-midiático foi a publicação de Medida Provisória 746, depois transformada na lei 13.415, que instituindo o chamado: “novo ensino médio”. O novo marco legal alterou significativamente a LDB que passou a ter Ensino Médio orientado aos ditames do capital. A ideia é dificultar o acesso ao ensino superior dos jovens trabalhadores, que utiliza a escola pública, que veem ocupando os bancos das universidades, especialmente depois da política de cotas.
Alinhado as políticas de Temer, em Sergipe o Governo Jackson passou a impor nas unidades de ensino o “novo Ensino Médio de tempo integral”. O processo de implementação vem acontecendo com uma série de problemas para rede estadual de ensino: destruição do Projeto Político Pedagógico das escolas, substituindo-o por uma nova concepção curricular chamada de Pedagogia da Presença e habilidades socioemocionais; desmonte da equipe docente e de gestão das escolas e a consequente substituição por uma equipe alinhada a essa pedagogia; encerramento da matrícula do ensino fundamental, do ensino noturno sem diagnósticos sobre a necessidade de matrícula, resultando numa redução significativa de recursos.
Além das questões elencadas, a imposição do “novo Ensino Médio de Tempo Integral” nas escolas de Sergipe, em função do alinhamento as políticas do Governo Federal, visa dificultar o acesso à educação dos jovens que não podem ou não querem estudar em tempo integral. Em muitos bairros de Aracaju e cidades do interior do Estado essa situação é real, pois as escolas que ofertam Ensino Médio estão sendo transformadas em tempo integral sem a garantia de uma escola alternativa a essa parcela significativa da população jovem do Estado. Com isso, o governo assume a orientação do capital que no mundo capitalista não cabe oportunidades para todos, por isso é preciso criar um exército de reserva semi-escolarizado.
A essência da nova lei foi instituir na educação básica brasileira as habilidades socioemocionais no currículo escolar. A ideia é que durante a vivência escolar, os estudantes possam já na fase de criança e adolescente construir seu “projeto de vida” e que o planejamento dos professores seja orientado para tal finalidade, vejamos o que diz a lei no Art. 35-A, parágrafo 7º:
Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais.
A inserção dos aspectos socioemocionais na educação visa inserir no currículo escolar a Pedagogia da Presença, versão reciclada da Pedagogia das Competências. A ideia dos empresários da educação é ensinar as crianças a serem indivíduos com menos tendência a sofrer de ansiedade e depressão com chances maiores de se tornarem profissionais resilientes, ou seja, que suportem a pressão no ambiente de trabalho. No entendimento dos pensadores do capital, o ensino centrado nessa concepção pedagógica ajudará os futuros adultos-trabalhadores a se adaptarem as novas tecnologias e ao processo de exploração patronal sem questionar.
Outra questão trabalhada nessa nova versão empresarial para educação básica brasileira é formar os jovens para conviverem com o mundo das incertezas e do desemprego. Assim, surge a necessidade das escolas formarem estudantes obedientes a aceitarem que o emprego está diminuindo e o “sucesso ou fracasso” na vida é culpa dos próprios trabalhadores que não se esforçou suficiente para ter sucesso na vida. Nessa perspectiva, a educação passa a ter um papel estratégico: construir a cultura do conformismo social.
Para esses jovens foi pensado uma formação voltada em promover o protagonismo juvenil para transformá-los em futuro “empreendedor”, capaz de se modificar e montar um portfólio. A ideia é preparar os jovens para que ele saiba que pode ser várias coisas, basta serem protagonistas de suas próprias vidas. A cultura do conformismo social é criada utilizando esses elementos ideológicos no processo de ensino-aprendizagem. Assim, desresponsabiliza o Estado na promoção de políticas públicas que promova desenvolvimento com distribuição de renda e inclusão social. Desresponsabiliza, também, o empresariado que precisam aumentar seus lucros reduzindo a mão-de-obra e os custos da mão-de-obra, ou seja, contratando menos trabalhadores para que possam trabalhar além de sua jornada diária diante da ameaça criada com a incerteza do desemprego.
As habilidades socioemocionais presente na pedagogia da presença visa, também, “reeducar os professores”. Os teóricos desse pacote empresarial entendem que os professores não tiveram formação ideal para trabalhar tais habilidades, daí a necessidade de serem formados para formarem os estudantes para em novo mercado de trabalho com as incertezas impostas pelo capital. O processo de ensino deve ser estruturado visando a construção de quatro pilares defendidos pelos empresários da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser, e aprender a conviver.
O Canadá implementou em 2009 no currículo escolar as habilidades socioemocionais com sérias consequências. Segundo o site do instituto Porvir que faz parceria com Instituto Airton Sena: http://porvir.org/especiais/socioemocionais/, tem havido mudanças significativa no currículo canadense da educação básica: “Por exemplo, para explicar o papel do Canadá na Segunda Guerra Mundial, o professor aborda menos fatos ou datas, coisas que qualquer um pode acessar facilmente, e vai falar mais sobre como os líderes canadenses mostraram resiliência no período”..... “Os docentes são encorajados a escolher recursos de aprendizagem que auxiliem os alunos a falar explicitamente sobre habilidades socioemocionais. Por exemplo, quando se estuda um romance, eles podem ser questionados sobre como o personagem principal demonstra resiliência, ou qualquer outra habilidade, e depois comparar esse comportamento com o de outros personagens de outros livros ou filmes”, exemplifica Jennifer Adams diretora de educação no país.
A ideia das habilidades socioemocionais é formar os estudantes a mostrarem resiliência no novo mercado de trabalho onde predomina a incerteza e o desemprego. Resiliência, segundo dicionário Aurélio, significa: “propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica, ou capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças”.
Fica evidente que a educação voltada as habilidades socioemocionais, ao protagonismo juvenil e a resiliência visa preparar as crianças e adolescentes para o conformismo diante do desemprego e exclusão social, para a exploração capitalista e para uma sociedade sem luta de classes. Esses futuros trabalhadores serão preparados para a pressão no ambiente de trabalho, bem para aceitarem o desemprego e as dificuldades como sua culpa exclusiva.
Uma das principais discussões apresentadas pelo Ministério da Educação do Brasil sobre o chamado “novo Ensino Médio” é a capacidade dos estudantes escolherem o que querem estudar. O novo texto da lei coloca como obrigatório no currículo apenas matemática, Língua Portuguesa e Língua Inglesa. Os demais componentes currículos passarão a ser optativo para os estudantes e a oferta optativa para o Estado. Segundo o novo artigo 36, parágrafo 5º da LDB, alterado pela lei do “novo Ensino Médio: “Os sistemas de ensino, mediante disponibilidade de vagas na rede, possibilitarão ao aluno concluinte do ensino médio cursar mais um itinerário formativo de que trata o caput”. A ideia aqui é retardar o acesso dos jovens, filhos dos trabalhadores que utilizam as escolas públicas, ao ensino superior.
Os sistemas de ensino estão obrigados a ofertar apenas três componentes curriculares. Entretanto, as disciplinas que estão dentro dos itinerários ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas os jovens poderão ter acesso ou não: a chamada escolha vem disfarçada da negação aos jovens de acesso ao conhecimento construído pela humanidade. Vale registrar que as provas do ENEM, base para acesso ao ensino superior, exige todos os itinerários.
Para resolver essa ausência de todos os componentes curriculares no processo ensino-aprendizagem, com base no “novo Ensino Médio”, os professores precisam ser preparados para estimular o protagonismo juvenil dos estudantes e realizar atividades cujos objetivos e metas são definidos conjuntamente com os alunos, que trabalham em duplas ou em pequenos grupos, para estimular a colaboração, a criatividade e a inovação, ou seja, preparar os estudantes a serem resilientes no ambiente de trabalho ao qual serão submetidos com baixa escolarização.
Assim, a ideia dos defensores da pedagogia da presença é a escola ter espaço para o aluno se manifestar e “ter autonomia” em seu próprio aprendizado. A relação entre professor e aluno deve ser numa perspectiva holística, porque os estudantes estão sempre na construção do Eu. Essa relação deve, inclusive, ultrapassar o espaço escolar e os professores devem ter disponibilidade de tempo sempre que o aluno precisar, pois seu trabalho não aconteceu somente na escola, mas também em sua casa, nos finais de semana, com emails, leituras e tutorias, ou seja, o professor deve demonstrar resiliência no seu trabalho, estando 24 horas por dia, todos os dias da semana, disponível para as demandas de seus estudantes.
A essa ofensiva do capital na educação cabe a resistência que será discutida na segunda parte.
Alinhado as políticas de Temer, em Sergipe o Governo Jackson passou a impor nas unidades de ensino o “novo Ensino Médio de tempo integral”. O processo de implementação vem acontecendo com uma série de problemas para rede estadual de ensino: destruição do Projeto Político Pedagógico das escolas, substituindo-o por uma nova concepção curricular chamada de Pedagogia da Presença e habilidades socioemocionais; desmonte da equipe docente e de gestão das escolas e a consequente substituição por uma equipe alinhada a essa pedagogia; encerramento da matrícula do ensino fundamental, do ensino noturno sem diagnósticos sobre a necessidade de matrícula, resultando numa redução significativa de recursos.
Além das questões elencadas, a imposição do “novo Ensino Médio de Tempo Integral” nas escolas de Sergipe, em função do alinhamento as políticas do Governo Federal, visa dificultar o acesso à educação dos jovens que não podem ou não querem estudar em tempo integral. Em muitos bairros de Aracaju e cidades do interior do Estado essa situação é real, pois as escolas que ofertam Ensino Médio estão sendo transformadas em tempo integral sem a garantia de uma escola alternativa a essa parcela significativa da população jovem do Estado. Com isso, o governo assume a orientação do capital que no mundo capitalista não cabe oportunidades para todos, por isso é preciso criar um exército de reserva semi-escolarizado.
A essência da nova lei foi instituir na educação básica brasileira as habilidades socioemocionais no currículo escolar. A ideia é que durante a vivência escolar, os estudantes possam já na fase de criança e adolescente construir seu “projeto de vida” e que o planejamento dos professores seja orientado para tal finalidade, vejamos o que diz a lei no Art. 35-A, parágrafo 7º:
Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais.
A inserção dos aspectos socioemocionais na educação visa inserir no currículo escolar a Pedagogia da Presença, versão reciclada da Pedagogia das Competências. A ideia dos empresários da educação é ensinar as crianças a serem indivíduos com menos tendência a sofrer de ansiedade e depressão com chances maiores de se tornarem profissionais resilientes, ou seja, que suportem a pressão no ambiente de trabalho. No entendimento dos pensadores do capital, o ensino centrado nessa concepção pedagógica ajudará os futuros adultos-trabalhadores a se adaptarem as novas tecnologias e ao processo de exploração patronal sem questionar.
Outra questão trabalhada nessa nova versão empresarial para educação básica brasileira é formar os jovens para conviverem com o mundo das incertezas e do desemprego. Assim, surge a necessidade das escolas formarem estudantes obedientes a aceitarem que o emprego está diminuindo e o “sucesso ou fracasso” na vida é culpa dos próprios trabalhadores que não se esforçou suficiente para ter sucesso na vida. Nessa perspectiva, a educação passa a ter um papel estratégico: construir a cultura do conformismo social.
Para esses jovens foi pensado uma formação voltada em promover o protagonismo juvenil para transformá-los em futuro “empreendedor”, capaz de se modificar e montar um portfólio. A ideia é preparar os jovens para que ele saiba que pode ser várias coisas, basta serem protagonistas de suas próprias vidas. A cultura do conformismo social é criada utilizando esses elementos ideológicos no processo de ensino-aprendizagem. Assim, desresponsabiliza o Estado na promoção de políticas públicas que promova desenvolvimento com distribuição de renda e inclusão social. Desresponsabiliza, também, o empresariado que precisam aumentar seus lucros reduzindo a mão-de-obra e os custos da mão-de-obra, ou seja, contratando menos trabalhadores para que possam trabalhar além de sua jornada diária diante da ameaça criada com a incerteza do desemprego.
As habilidades socioemocionais presente na pedagogia da presença visa, também, “reeducar os professores”. Os teóricos desse pacote empresarial entendem que os professores não tiveram formação ideal para trabalhar tais habilidades, daí a necessidade de serem formados para formarem os estudantes para em novo mercado de trabalho com as incertezas impostas pelo capital. O processo de ensino deve ser estruturado visando a construção de quatro pilares defendidos pelos empresários da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser, e aprender a conviver.
O Canadá implementou em 2009 no currículo escolar as habilidades socioemocionais com sérias consequências. Segundo o site do instituto Porvir que faz parceria com Instituto Airton Sena: http://porvir.org/especiais/socioemocionais/, tem havido mudanças significativa no currículo canadense da educação básica: “Por exemplo, para explicar o papel do Canadá na Segunda Guerra Mundial, o professor aborda menos fatos ou datas, coisas que qualquer um pode acessar facilmente, e vai falar mais sobre como os líderes canadenses mostraram resiliência no período”..... “Os docentes são encorajados a escolher recursos de aprendizagem que auxiliem os alunos a falar explicitamente sobre habilidades socioemocionais. Por exemplo, quando se estuda um romance, eles podem ser questionados sobre como o personagem principal demonstra resiliência, ou qualquer outra habilidade, e depois comparar esse comportamento com o de outros personagens de outros livros ou filmes”, exemplifica Jennifer Adams diretora de educação no país.
A ideia das habilidades socioemocionais é formar os estudantes a mostrarem resiliência no novo mercado de trabalho onde predomina a incerteza e o desemprego. Resiliência, segundo dicionário Aurélio, significa: “propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica, ou capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças”.
Fica evidente que a educação voltada as habilidades socioemocionais, ao protagonismo juvenil e a resiliência visa preparar as crianças e adolescentes para o conformismo diante do desemprego e exclusão social, para a exploração capitalista e para uma sociedade sem luta de classes. Esses futuros trabalhadores serão preparados para a pressão no ambiente de trabalho, bem para aceitarem o desemprego e as dificuldades como sua culpa exclusiva.
Uma das principais discussões apresentadas pelo Ministério da Educação do Brasil sobre o chamado “novo Ensino Médio” é a capacidade dos estudantes escolherem o que querem estudar. O novo texto da lei coloca como obrigatório no currículo apenas matemática, Língua Portuguesa e Língua Inglesa. Os demais componentes currículos passarão a ser optativo para os estudantes e a oferta optativa para o Estado. Segundo o novo artigo 36, parágrafo 5º da LDB, alterado pela lei do “novo Ensino Médio: “Os sistemas de ensino, mediante disponibilidade de vagas na rede, possibilitarão ao aluno concluinte do ensino médio cursar mais um itinerário formativo de que trata o caput”. A ideia aqui é retardar o acesso dos jovens, filhos dos trabalhadores que utilizam as escolas públicas, ao ensino superior.
Os sistemas de ensino estão obrigados a ofertar apenas três componentes curriculares. Entretanto, as disciplinas que estão dentro dos itinerários ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas os jovens poderão ter acesso ou não: a chamada escolha vem disfarçada da negação aos jovens de acesso ao conhecimento construído pela humanidade. Vale registrar que as provas do ENEM, base para acesso ao ensino superior, exige todos os itinerários.
Para resolver essa ausência de todos os componentes curriculares no processo ensino-aprendizagem, com base no “novo Ensino Médio”, os professores precisam ser preparados para estimular o protagonismo juvenil dos estudantes e realizar atividades cujos objetivos e metas são definidos conjuntamente com os alunos, que trabalham em duplas ou em pequenos grupos, para estimular a colaboração, a criatividade e a inovação, ou seja, preparar os estudantes a serem resilientes no ambiente de trabalho ao qual serão submetidos com baixa escolarização.
Assim, a ideia dos defensores da pedagogia da presença é a escola ter espaço para o aluno se manifestar e “ter autonomia” em seu próprio aprendizado. A relação entre professor e aluno deve ser numa perspectiva holística, porque os estudantes estão sempre na construção do Eu. Essa relação deve, inclusive, ultrapassar o espaço escolar e os professores devem ter disponibilidade de tempo sempre que o aluno precisar, pois seu trabalho não aconteceu somente na escola, mas também em sua casa, nos finais de semana, com emails, leituras e tutorias, ou seja, o professor deve demonstrar resiliência no seu trabalho, estando 24 horas por dia, todos os dias da semana, disponível para as demandas de seus estudantes.
A essa ofensiva do capital na educação cabe a resistência que será discutida na segunda parte.
segunda-feira, 4 de dezembro de 2017
IBGE afirma, em documento, que a Previdência no Brasil é Superavitária
No dia 30 de Novembro, o IGBE divulgou o livro Brasil em Números 2017. O livro está disponibilizado gratuitamente no seguinte endereço eletrônico: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/2/bn_2017_v25.pdf
As páginas 135 e 137 deixam claro que não existe o déficit da previdência que tanto afirma o Governo Federal. Para o IBGE, o saldo financeiro da previdência no Brasil é superavitário: 2013 de R$ 76,4 bilhões; em 2014 de R$ 55,7 bilhões e em 2015 de R$ 11,2 bilhões. Outro problema apontado no documento foi a existência da Desvinculação das Receitas da União-DRU que consumiu da previdência mais de 260 bilhões de reais. Veja o texto:
“A priori, chama a atenção a linguagem do déficit apresentada nas séries históricas destacada no resultado negativo crescente entre arrecadação e pagamento de benefícios. Todavia, como mencionamos no início desse artigo, a CF/1988 determinou que a Previdência Social fosse financiada pela lógica do orçamento único da seguridade social, preconizado pelo artigo 195 que define contribuições sociais exclusivas com diversidade da base de seu financiamento. Utilizando essa lógica e metodologia, dados da ANFIP (2016) revelam que historicamente o orçamento da seguridade apresenta saldo financeiro superavitário. Nos últimos três anos, os superávits foram: em 2013 de (R$ 76,4 bilhões); em 2014 (R$ 55,7 bilhões) e em 2015 ante aos maiores efeitos da crise econômica, ainda assim apresentou superávit de (R$ 11,2 bilhões).
O orçamento único da seguridade possui um conjunto de fontes próprias, exclusivas e dotadas de uma pluralidade de incidência. Para além das receitas previdenciárias que são vinculadas para o pagamento de benefícios do RGPS, composta pelas expressivas contribuições sociais pagas pelas empresas sobre a folha de salários, o faturamento e lucro, e as contribuições pagas pelos trabalhadores sobre seus rendimentos do trabalho. Existem outras que integram o rol exclusivo de fontes do Orçamento da Seguridade Social (OSS).
Assim, compõe-se das seguintes fontes: Receitas da Contribuição previdenciária para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) pagas pelos empregados e pelas empresas; Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL); Contribuição Social Para o Financiamento da Seguridade Social, cobrada sobre o faturamento das empresas (COFINS); Contribuição para o PIS/PASEP; Receitas das contribuições sobre concurso de prognósticos e as receitas próprias de todos os órgãos e entidades que participam desse Orçamento.
No Brasil, como na maioria dos países, a contribuição é tripartite, participam empregadores, empregados e governo. Historicamente, a contribuição estatal tem cotas menores. Ou seja, ao ignorarmos o orçamento único da seguridade social, emerge o “mito do déficit” e são frequentes o uso do mesmo para justificar as contrarreformas que subtraem conquistas sociais dos trabalhadores. Cabe ressaltar que os governos vêm, por medidas legais, retirando recursos desse orçamento único da seguridade, o que o fragiliza, citamos: as desvinculações de receitas da União (DRU), que retiram 30% desse orçamento para outros fins; sonegações; dívida ativa com grandes devedores e desonerações para setores econômicos. Segundo dados da ANFIP(2016), em 2015, a DRU subtraiu do Orçamento da Seguridade R$ 63,8 bilhões; em 2015 o conjunto das renuncias e desonerações totalizou R$ 267,3 bilhões a menos no orçamento da seguridade”.
Outro mito destruído pelo texto do IBGE é a existência de privilégios na previdência social. Os trabalhadores brasileiros, na maioria absoluta, recebem até 5 salários mínimos de benefícios. Já os trabalhadores rurais, na maioria, recebem um salário mínimo, veja:
“Em 2015, 99,4% dos benefícios concedidos aos trabalhadores rurais apresentavam valor de até um piso previdenciário, enquanto que os benefícios dos trabalhadores urbanos dessa faixa corresponderam a 41,9% do total. Todavia, 98,2% dos benefícios urbanos estão situados na faixa que atinge até cinco pisos previdenciários”.
As páginas 135 e 137 deixam claro que não existe o déficit da previdência que tanto afirma o Governo Federal. Para o IBGE, o saldo financeiro da previdência no Brasil é superavitário: 2013 de R$ 76,4 bilhões; em 2014 de R$ 55,7 bilhões e em 2015 de R$ 11,2 bilhões. Outro problema apontado no documento foi a existência da Desvinculação das Receitas da União-DRU que consumiu da previdência mais de 260 bilhões de reais. Veja o texto:
“A priori, chama a atenção a linguagem do déficit apresentada nas séries históricas destacada no resultado negativo crescente entre arrecadação e pagamento de benefícios. Todavia, como mencionamos no início desse artigo, a CF/1988 determinou que a Previdência Social fosse financiada pela lógica do orçamento único da seguridade social, preconizado pelo artigo 195 que define contribuições sociais exclusivas com diversidade da base de seu financiamento. Utilizando essa lógica e metodologia, dados da ANFIP (2016) revelam que historicamente o orçamento da seguridade apresenta saldo financeiro superavitário. Nos últimos três anos, os superávits foram: em 2013 de (R$ 76,4 bilhões); em 2014 (R$ 55,7 bilhões) e em 2015 ante aos maiores efeitos da crise econômica, ainda assim apresentou superávit de (R$ 11,2 bilhões).
O orçamento único da seguridade possui um conjunto de fontes próprias, exclusivas e dotadas de uma pluralidade de incidência. Para além das receitas previdenciárias que são vinculadas para o pagamento de benefícios do RGPS, composta pelas expressivas contribuições sociais pagas pelas empresas sobre a folha de salários, o faturamento e lucro, e as contribuições pagas pelos trabalhadores sobre seus rendimentos do trabalho. Existem outras que integram o rol exclusivo de fontes do Orçamento da Seguridade Social (OSS).
Assim, compõe-se das seguintes fontes: Receitas da Contribuição previdenciária para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) pagas pelos empregados e pelas empresas; Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL); Contribuição Social Para o Financiamento da Seguridade Social, cobrada sobre o faturamento das empresas (COFINS); Contribuição para o PIS/PASEP; Receitas das contribuições sobre concurso de prognósticos e as receitas próprias de todos os órgãos e entidades que participam desse Orçamento.
No Brasil, como na maioria dos países, a contribuição é tripartite, participam empregadores, empregados e governo. Historicamente, a contribuição estatal tem cotas menores. Ou seja, ao ignorarmos o orçamento único da seguridade social, emerge o “mito do déficit” e são frequentes o uso do mesmo para justificar as contrarreformas que subtraem conquistas sociais dos trabalhadores. Cabe ressaltar que os governos vêm, por medidas legais, retirando recursos desse orçamento único da seguridade, o que o fragiliza, citamos: as desvinculações de receitas da União (DRU), que retiram 30% desse orçamento para outros fins; sonegações; dívida ativa com grandes devedores e desonerações para setores econômicos. Segundo dados da ANFIP(2016), em 2015, a DRU subtraiu do Orçamento da Seguridade R$ 63,8 bilhões; em 2015 o conjunto das renuncias e desonerações totalizou R$ 267,3 bilhões a menos no orçamento da seguridade”.
Outro mito destruído pelo texto do IBGE é a existência de privilégios na previdência social. Os trabalhadores brasileiros, na maioria absoluta, recebem até 5 salários mínimos de benefícios. Já os trabalhadores rurais, na maioria, recebem um salário mínimo, veja:
“Em 2015, 99,4% dos benefícios concedidos aos trabalhadores rurais apresentavam valor de até um piso previdenciário, enquanto que os benefícios dos trabalhadores urbanos dessa faixa corresponderam a 41,9% do total. Todavia, 98,2% dos benefícios urbanos estão situados na faixa que atinge até cinco pisos previdenciários”.
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